Aventuras e desventuras numa rádio livre…(?)
Em tempos, nos meus tempos finais de juventude comecei a participar de forma activa numa rádio nova, que através de uma nova lei deixara de ser pirata (clandestina…) para ser oficial, era uma rádio local, mas cuja irreverência e o sentido politicamente incorrecto antes desta palavra noutro sentido ainda não existir e assim constituir uma forma de não assumida censura (afinal vivemos em Liberdade, e em Liberdade não é suposto existir censura, pois não…?), cuja independência me seduziu e ainda me seduz, mas só nos relatos de futebol…
De ouvinte que participava de madrugada via telefone em emissões loucas, perfeitamente irrepetíveis, um dia ganhei coragem e apresentei-me nos estúdios oferecendo-me como colaborador…Apesar de amadora, a rádio tinha cursos de locução, e esses não estavam abertos na altura, por isso deram-me o que estava disponível, e assim fiquei a fazer publicidade a toda e qualquer coisa, mas como os trocos estavam contados e o pessoal não era remunerado, apesar dos meus anúncios terem ido para o ar, não foram pagos…Mas, bolas, eram anúncios onde me permitiram ser irreverente que em nenhum outro lado, e eu ainda era adolescente e por isso a paga de ver os meus textos no ar, de passear pela cidade e de nas suas ruas ouvir as minhas palavras valeram todo o dinheiro do mundo…
Depois seguiu-se uma pausa de breves meses por assuntos pessoais inadiáveis (fui obrigado a ir à tropa…) voltei, e nessa altura havia um curso de jornalismo com inscrições abertas, e sendo um dos meus sonhos secretos o tal jornalismo, lá fui eu fazer o curso, apesar de saber que não ia ser remunerado…
E assim acabei o curso, mas como trocava as palavras (ler era um bocado disléxico…) e os meus colegas de curso eram francamente bons, lá fiquei como jornalista de recurso, de reserva…
Mas as oportunidades apareceram, a dislexia era controlável, e lá fui fazendo umas peças, como fazer a critica de um livro do qual só tinha lido um resumo, mas bolas, era uma rádio local, uma rádio livre onde tudo era permitido…E assim como na altura havia um esboço de luta académica, no fim de mais uma tímida jornada de protesto e vindo desta lá me puseram à frente de um microfone na qualidade de jornalista e participante a relatar o meu direito à indignação…Lá fui ao Museu Militar da minha cidade fazer uma peça sem grande interesse, mas tinha interesse porque havia um buraco na informação que era necessário colmatar, e lá fui eu, fazer uma reportagem sobre aquilo...o sargento responsável pelo Museu ficou encantado pela publicidade, a reportagem foi bem feita, tudo correu pelo melhor...até que para acabar eu pedi se podia tirar uma foto num tanque...podia...ele ficou feliz, até eu no cimo do tanque abrir o poster que nos fazia publicidade...Estão a ver uma mistura de estupefacção pânico com fúria e desalento...?Pois...foi essa a expressão no rosto do sargento...O poster é de tal ordem irreverente que a sua imagem ainda hoje é difícil encontrar na Web…
Em suma, fui fazendo as minhas peças, poucas, mas fui conquistando o meu espaço, até que o comecei a perder quando me enviaram para cobrir a inauguração de uma bomba de gasolina em plena cidade…Pelas nossas leis se aquilo não era ilegal andava por lá perto, mas todos os jornalistas, toda a cidade ficaram felizes porque essa bomba beneficiava um clube cá da terra…E no meio de uma apresentação pacifica apareci eu, um desconhecido a colocar uma série de questões demasiado delicadas para serem abordadas, lá fui eu politicamente incorrecto…Toda a gente se indignou, mas eu fiz as perguntas que achei oportunas…Acabou a conferência de imprensa e eu voltei para a Rádio orgulhoso por ter cumprido o meu dever de jornalista independente…Demorei apenas pouco mais de meia hora, mas quando cheguei o meu chefe estava lívido, furioso…: nesse espaço de tempo tinham chovido telefonemas de gente com alguma importância, telefonemas a queixarem-se de eu ter levantado questões…incomodas…(não, eles disseram outra coisa, que tinha sido parvo mal educado e inconveniente…)
Não era nem jornalista de facto nem brilhante e comia as palavras, mas era justo e ético, mas foi a partir dessa reportagem que acharam relevante eu ser disléxico e ter pouca preparação e assim me deram um cargo qualquer irrelevante atrás de uma secretária…longe dos microfones, bem longe…Mas azar…um dia lá faltaram jornalistas e por causa disso fui o escolhido para fazer parte de um debate cujo convidado era um jovem politico em ascensão, um demagogo de primeira que disfarçava tal com a sua juventude, porque não é suposto os jovens serem tão demagogos…Politicamente independente, e já conhecendo a fama desse jovem politico, em directo levantei uma série de questões incomodas e em directo coloquei em xeque todo o seu discurso oco e demagogo…E assim acabou a minha breve experiência no mundo da rádio enquanto participante activo…Fui sendo remetido para papeis cada vez mais secundários, e coincidindo com tal decidi dedicar-me um pouco mais aos estudos que tinha recomeçado…e deixei a rádio…
Ainda hoje adoro essa rádio, mas hoje só ouço os seus relatos de futebol que são o que restam da sua irreverência inicial, sempre gostarei dessa rádio, mas lamento que uma rádio com tantos pergaminhos de liberdade por detrás de si se tenha revelado uma rádio igual a tantas, tantas outras…porque apesar de na essência ser pirata, independente, defendia de uma outra forma os interesses de outras rádios velhas, de outras rádios institucionalizadas…
Não sei como está essa rádio hoje, não sei se mudou e se se transformou na rádio independente e irreverente que chegou a ser, não sei nem quero ouvir mais do que os tais relatos para não me desiludir, preferindo pensar que sim, que essa rádio hoje é a rádio que tanto me encantou na altura em que a vida realmente começou a acontecer…
Ah…o tal político jovem…: Como era previsível lá ascendeu…e de vez em quando lá me cruzo com ele…passaram muitos anos desde o debate, estamos mais velhos, mas cada vez que me vê o seu olhar fulmina-me e ao mesmo tempo finge que não me conhece…