Escrevendo para o mar

Penso que escrever crônicas seja um pouco como fazia o padre Anchieta todas manhãs na praia: escrevia na areia alguns poemas, poemas que logo seriam apagados pelas ondas do mar.

A crônica é efêmera, mais um objeto para nossa pilha de banalidades diárias. Não estou denegrindo a imagem desse gênero, apenas considero a banal, pois o fato de ser publicada todo dia acaba por retirar sua excepcionalidade.

O que tira a sua excepcionalidade não é o autor ou o veículo em que é publicada, mas o tempo. É verdade que alguns cronistas conseguem ser geniais na maioria dos casos, mas a genialidade não é algo que se repete todo dia. Escrever crônicas é como escrever para as ondas do mar.

Amanhã essa será a crônica de ontem. E assim caminha a Humanidade... Aí vem a pergunta: qual o sentido disso tudo? Além dos sentidos práticos (o cronista precisa sobreviver, os jornais ou revistas precisam de um espaço para algo além da pura informação, uma espaço de opinião), posso entrever algumas respostas. Entreter? Muitos se deliciam com os textos de certos cronistas simplesmente porque acham eles divertidos e sempre esperam com ansiedade o próximo sair do forno. Informar? Há o cronista que dá mais informações do que sua opinião propriamente dita.

Essas são apenas algumas das possíveis respostas. Por que são tantas? O próprio status da crônica permite que as possibilidades sejam várias. A crônica nasceu com o princípio de ser um relato, principalmente histórico, hoje, após as várias vanguardas literárias, ela se tornou um meio caminho entre o conto, a poesia e o relato.

No Brasil, a crônica, desde começos do século XX, é o grosso de nossa literatura. A crônica divulgou ao brasileiro médio o mundo das letras. E a crônica está em constante transformação. Ela é, como na música, essa metamorfose ambulante.

Hoje temos a internet e o blog se tornou a plataforma ideal para as crônicas. O blog democratiza a crônica. Assim, descobrimos muitos cronistas desconhecidos e que até desconhecem que o que estão escrevendo sejam crônicas.

Com o blog, nasce a crônica digital: marcada pela seu pequeno tamanho (na maioria dos casos), os retalhos do maneirismo da linguagem da internet e aberta aos links (se tornando aqui uma espécie de hipertexto, um texto que possui vários caminhos possíveis).

As crônicas continuarão, seja na tela do computador, no jornal ou no que mais vier por aí. Continuarão porque precisamos de banalidades diárias. São o que de mais precioso existe em nosso cotidiano, pois elas nos dão certa segurança. Se muitas vezes a rotina nos sufoca, noutras ela pode ser um porto seguro para um mundo onde tudo é líquido, tudo está mudando a todo momento (parafraseando Bob Dylan). E a crônica está aí, no rol das banalidades diárias mais dinâmicas que existe.