Tive aulas de religião com um professor ateu
Marina Costa, a minha Clarice particular, sugere que falemos sobre religião. Hoje em dia, nada mais fácil. Começa que religião, Igreja e Deus vão logo arrolados no mesmo balaio. E há algumas instituições, como a Igreja, que não possuem direito de resposta. Vê lá se alguém, hoje em dia, é capaz de escrever um artigo defendendo a Globo, ou os Estados Unidos. Quem fizer isso ganha automaticamente um atestado de burrice. Imaginem um artigo defendendo o Sarney. Não sai. Ninguém escreve. É paulada certa. E o mesmo acontece com a Igreja. Se o Capital Inicial puxar um “Que país é este?” contra a Igreja, todo mundo vai cantar. Por isso, nada mais fácil hoje do que escrever sobre religião.
Tive formação católica, e só me faltou ser coroinha. Fiz comunhão e crisma. E, depois, também fui um católico não-praticante – embora praticasse mais que muita gente. Um dia, fui arrastado por um rabo de saia para uma igreja evangélica. Fui lá por causa dela. Pois o rabo de saia não quis saber mais de mim. Eu podia sair da igreja, mas fiquei. Hoje eu sou evangélico – e se eu dissesse que tenho lepra, espantaria menos as pessoas.
Na faculdade de jornalismo, tive aulas de religião com um professor ateu. Na verdade, eram aulas de pesquisa científica. Mas não havia um dia que não discutíssemos religião – na visão do professor, inconcebível com a ciência. Ele nos doutrinava nas escrituras de Carl Sagan e Richard Dawkins. Lembro ainda do seu pasmo quando perguntou quantos acreditavam em Darwin. Muitas mãos ficaram abaixadas. Esse foi o mesmo professor que falou que eu não era jornalista pra trabalhar nos jornais provincianos do Paraná – sugeriu-me o Washington Post. Ele se decepcionaria ao me ver evangélico.
Mas esse professor foi particularmente importante porque destruiu a minha crença no relativismo cultural. Posso vê-lo esbravejando contra essa história de que não há verdade absoluta. Tínhamos dois braços, uma cabeça, e estávamos sentados numa mesa de madeira – isso era uma verdade absoluta. Ele alfinetava especialmente os antropólogos, para quem não era importante saber amarrar um cadarço, desde que a pessoa se sentisse bem.
Ora, esse discurso contra o relativismo também é o das igrejas. O próprio Papa vive pregando isso. O relativista é uma pessoa que consegue se abstrair do mundo e permitir que todos os outros exerçam livremente o direito de não serem relativistas. Tanto a fé como a ciência sofrem com o relativismo, e por isso a proximidade com os ateus. Eu e meu professor estamos em lado opostos quanto às nossas crenças: eu acredito e ele não. Nenhum de nós, no entanto, acha que Jesus Cristo foi um cara bacana com algumas ideias interessantes. Ora, Jesus dizia ser o filho de Deus. Ou é um maluco ou fala a verdade.
Eu poderia falar mais coisas, mas só conseguiria através de parábolas. Elas obrigam o ouvinte a pensar sobre o que está sendo dito, ou simplesmente ignorar. Os que buscam um sentido, chegam por si só às conclusões que sequer seriam consideradas se fossem ditas abertamente. Estamos com o coração duro e ainda precisamos das parábolas.