Por onde anda a paz?
Talvez nós, a Humanidade, nunca tenhamos sonhado tanto com a paz como neste nosso tempo conturbado. Onde cidadãos comuns e autoridades estamos como cegos em tiroteio. Muitos de nós com dificuldade de admitir o próprio despreparo para lidar com o problema da violência. O que é uma pena, pois não vejo como superar uma precariedade sem antes reconhecer que ela existe. Apregoa-se que o índice de criminalidade está caindo, mas os acontecimentos ao nosso redor, sobretudo nestes últimos dias, não nos deixam acreditar nisso.
Por onde anda a paz? Paz entre as nações, entre os homens, a paz do homem com a natureza, e do homem consigo mesmo. Esta, a chamada paz interior, é a raiz. A paz só existirá verdadeiramente quando ela nascer do coração.
A disseminação das religiões, seitas, filosofias e doutrinas, motivada pela busca da paz interior, alimentando preconceitos religiosos e conflitos de crenças, nos põe em confronto com a animosidade lá onde deveríamos encontrar benevolência. É a busca pela paz gerando guerra.
O pior inimigo da paz, no entanto, é a nossa conformidade com sua ausência. Vamos, aos poucos, nos acostumando à violência, à perda dos valores morais. Saltamos sobre o corpo baleado na calçada e seguimos nosso caminho como se aquilo fosse coisa natural, vamos tecendo conjecturas: envolveu-se com o que não presta... Isso é que dá... Um bandido a menos. Até o dia em que o elemento inerte, estendido na calçada indigna, for um ente querido. O fato é que, o que nos assombrava no passado, hoje é acontecimento corriqueiro. É pela televisão que fico sabendo que meu vizinho foi assassinado. Num mundo globalizado, os antípodas estão ali pertinho, mas o meu próximo está cada vez mais distante
Nossa consciência cria calos, engrossa-se. Vamos nos tornando insensíveis. Melhor não arriscar a tomar uma posição diante dos assuntos polêmicos, e quem não consegue dormir em paz com sua hipocrisia, ainda poderia discuti-los pacificamente. O mais confortável é permanecer em cima do muro. É a posição da maioria. Com a consciência cascuda e a falsa ilusão de que se está em paz.
Certa vez, em visita a uma senhora idosa e solitária como parte de um trabalho humanitário. Observei que na porta do pobre casebre, por décadas sem manutenção alguma, as águas das chuvas haviam, pouco a pouco, arrancado a terra descobrindo os alicerces e tornando muito alto o degrau da entrada. Percebi isso principalmente pelo esforço que tive que fazer para galgá-lo. Notei, porém, que a agilidade com que ela o fazia não condizia com os seus oitenta anos. Não pensei. Apanhei uma enxada e repus a terra deixando o degrau novamente com a altura ideal. Ela então confessou-me que não havia percebido o quanto estava alto. Suas pernas haviam se adaptado ao obstáculo porque o seu crescimento dera-se de forma gradativa. Refletiu: “acho que é assim que o pecado entra em nossa vida.”
Parafraseando aquela sábia velhinha, acho que foi assim que a violência tomou conta de nossa cidade.
Meu amigo Zé costuma dizer: “Nós, cidadãos nova serranenses, precisamos nos conscientizar de que nossa cidade tornou-se uma mini-metrópole que transcendeu em muito o seu espaço físico, e que guardadas as enormes e devidas proporções, é tão cosmopolita quanto o Rio ou São Paulo e já está enfrentando problemas similares aos destas grandes metrópoles. Será que, também nós, vamos nos tornar reféns do medo?”
Há, porém, uma coisa simples que podemos sempre fazer: Refletir sobre o assunto. Mais ou menos isto que fazemos agora. Que bom será se muitos dos leitores discordarem de mim em pelo menos alguns pontos! É sinal de que não estamos aceitando respostas prontas. Que não engolimos a opinião alheia como se fosse verdade absoluta. Ouvir o outro é gentil e promove a paz, mas “se num grupo, dez pensam da mesma forma, nove estão sobrando.” Pessoas não têm que ser todas iguais. Talvez eu aprenda mais se conseguir respeitar quem pensa diferente de mim. Ter personalidade nunca foi defeito.
Publicada no jornal O Popular em 04 de abril de 2007