Vantagens e desvantagens
 
Estou aqui agora, procurando um assunto para escrever e pensando que se fosse possível eu não queria mais dormir. Longe já não está o dia em que meu corpo dormirá para sempre e não quero perder tempo dormindo. Mas o sono foi feito para restaurar as forças desse mesmo corpo que não quer dormir e de hora em hora roubadas a ele, o sono vai se acumulando e chega um ponto em que a não dá mais. É preciso dormir.  Hoje foi assim: cheguei em casa com tanto sono que pensei: o melhor será dormir. Lá pelas cinco horas da tarde, ou dezessete horas como querem alguns, decidi que iria fazer isso. Olhei bem para a minha cama, onde hospedo durante o dia livros, revistas, jornais, caixas, uma profusão de coisas que não tenho tempo de achar um lugar certo para elas, olhei e desisti. Voltei para a sala e resolvi que iria ver qualquer coisa na Televisão quando o telefone tocou. Não era para mim e fui levar para quem era. Cheguei até a sala de cima, com prateleiras entulhadas com meus livros e onde já não cabe mais nada e olhei para a porta fechada do quarto vazio que decidi, logo será o meu. Abri a porta e lá estava a cama, uma antiga colcha de crochê bem estendida (não foi arrumada por mim). Entrei. Pelas frestas da janela persiana fechada entrava uma brisa que atenuava o calor do dia. Fechei a porta atrás de mim, deitei na cama esticada como uma defunta e nada mais vi. Desmaiei. Desfaleci. Entrei em um daqueles sonos profundos que nem sonhos ousam perturbar. Deitei esticadinha, como faço quando estou sem travesseiros e cruzei as mãos no peito.  Lá pelas tantas ouvi a porta se abrindo, alguém entrou, não falou nada e saiu. Ainda pensei: alguém saiu daqui assustado. E não deu outra: logo a seguir a porta se abriu de novo e alguém dessa vez acendeu a luz. Quando viu que eu estava acordada perguntou: você está sentindo alguma coisa? Não, eu não estou. Mas quis saber por que alguém iria achar que eu estava sentindo mal só porque estava dormindo a sono solto a tarde. Bem, você não foi comer. Dizendo que já ia a luz foi apagada e a porta fechada. Pouco depois senti fome e resolvi me levantar – quase oito horas da noite, ou vinte horas, como seria o correto. Já haviam passado duas horas do meu horário certo de comer. Não pensei que iria dormir tanto e então me levantei e fui para a cozinha comer.

Desde que fiquei diabética adquiri novos hábitos. Um deles foi o de comer de três em três horas. Se não como, algumas vezes tenho crise hipoglicêmicas. Uma queda brusca na glicemia e eu começo a suar frio, tanto meus movimentos como meus pensamentos ficam mais lerdos do que já são e chego a ficar desorientada e embora ainda não tenha acontecido posso até perder a consciência. O remédio para isso é o consumo imediato de um alimento qualquer que tenha açúcar. Não é sempre, mas bem comum acontecer, por essa razão eu deveria ter alguma coisa na bolsa que me socorresse, mas muitas vezes esqueço. Afinal não é segredo para ninguém que sou lerda. Distraída mesmo, pois ando feito uma girafa, com os pés no chão e a cabeça nas nuvens. Mesmo que não esteja sonhando estou concentrada em outra coisa. E a partir desse fato há uma vigilância total. Minha mãe, que na semana que vem fará oitenta e sete anos, até hoje não se acostumou com a ideia dos filhos terem crescidos, amadurecidos. Tem hora que me dá até vontade de chorar quando a ouço explicar para alguém porque quer mudar-se para um apartamento. Moramos juntas, ela, eu e dois de meus irmãos com deficiência visual. Todos somos independentes, senhores de nossos narizes, mas ela não se cansa de dizer: Tenho que me mudar para um apartamento, eu já estou na hora de morrer e não quero deixá-los desprotegidos. A Maria não fecha uma janela... Todas as noites ela vem verificar se minha janela está fechada, com trinco. Na janela do quarto em que durmo há uma grade de ferro, uma grade bem grossa que só pode ser arrancada com uma bomba. A possibilidade de alguém arrombá-la e por ela entrar no quarto é mínima. Mas isso não é levado em conta de modo nenhum e eu sinceramente desisti de ficar brava. E se isso é uma desvantagem que carrego pela vida, certamente existe alguma vantagem. Tive notícias de duas pessoas que vivendo solitárias simplesmente morreram em suas casas e só foram descobertas por um acaso. Pelo menos eu não corro esse risco. E se na maioria das vezes sou tratada como uma imbecil, tudo fica bem compensador quando olho a outra face da moeda - continuo ainda a ser tratada como um bebê rechonchudo e amarelinho ( já que rosadinho nunca fui),

(na foto recente que não sei quem tirou, nem quando, mas sei que é recente porque faltam dois, os irmãos que já se foram para outras galáxias, ela, a Dona Zenita, como uma galinha com seus pintinhos em volta)