Poderia facilmente ser uma crônica de 'O Globo'
O que uma crônica precisa ter para se tornar 'boa' aos olhos de quem a lê? Conteúdo? Humor? Tem que ser a narração de um fato? Tem que ser ficção? Ou apenas palavras? Ou quem sabe 'as' palavras?
Fui leitor de O Globo por um tempo considerável e, sempre que posso, retorno às origens. Amo jornal e quem me conhece, sabe por que deixei de gostar. Não. Deixar de gostar não é termo apropriado, pois, dá a impressão de que os jornais mudaram com o passar do tempo. Mudaram sim, obviamente, mas não foi esse o motivo. Eu mudei.
Com o passar do tempo, fui percebendo que, mais do que informar, os jornais de uma maneira geral precisavam vender. E isso não se tornou claro depois do advento da internet não. Aqueles filmes que retratam um menino vendendo jornais nas esquinas de Nova Iorque representam bem o que estou tentando mostrar. "Extra, extra: mulher é estuprada, esfaqueada e serrada em pedaços por um colega de turma!" Era isso que os novaiorquinos ouviam. E era isso que os fazia comprar o jornal. eles não falavam: "Extra, extra: alta do dólar faz despencar o preço dos importados, aumentando o poder de compra da alta classe!" pelo simples fato de que essa manchete não vende. Não vendia na época e não vende hoje, nem venderá daqui há 44 anos.
Mas, os leitores mais conservadores e exigentes talvez se questionem quanto ao conteúdo de um jornal, tanto na época quanto agora. Já que um jornal não traz apenas manchetes e notícias. Traz entretenimento, ciência, informação, esportes e música. Colunas semanais, diárias e convidados especiais. Sim, mas todas as áreas de um jornal atendem a necessidade de um público específico: o que compra.
Esqueçam a arte e boa escrita se precisarem vender. E precisamos vender todos os dias. vendemos nossa imagem diariamente. Vendemos nossa imagem ao aparecermos a uma entrevista de emprego, e, depois que conquistamos o emprego, precisamos continuar vendendo nossa imagem para mantê-lo. Vendemos nossa imagem para o nosso cliente. Quantas vezes sentiu vontade de mandar alguém pastar ou ter relações anais com um poste? Eu sinto vontade de mandá-los aos prantos para os raios que os partam pelo menos duas ou três vezes por dia. Mas, não o faço, pelo menos não com frequência, já que preciso manter meu emprego. Mas, existem formas de mostrar que está insatisfeito com determinada postura sem necessariamente ferir os padrões de ética de convivência.
É nesse momento do meu raciocínio que me pergunto por que os jornais não fazem o mesmo? Poderiam continuar sendo vendáveis sem, no entanto, deletarem a arte literária. Poderiam vender sem apelar para mentiras ou piadas sem graça.
Não preciso de palavrões para achar algo engraçado, mas, por que os caras que me divertem no teatro ficam tão sem graça e patéticos quando aparecem no jornal ou na TV? Por que as crônicas semanais são tão sem sal? O humor é sempre discreto. gosto de humor discreto, tanto quanto gosto de ricota. Mas, não comeria ricota diariamente. E sabe por quê? Por que enjoa.