"Bruna ficou de fora" é uma crônica que mostra a realidade de muitos escritores. No mundo das letras atual, o que vale são as estratégias para que vendas e leituras sejam de grande sucesso. Sem isso, a grande maioria sente-se exatamente como a vida de quem escreve - e não se diverte, apenas. Quem vive no meio literário, como eu, sabe do que estou falando. Enfim, leiam a crônica e tirem as suas conclusões.
Sunny Lóra
Bruna ficou de fora
No ano passado, eu e os também escritores Reinaldo Santos Neves e Caê Guimarães estivemos em Colatina, Norte do ES, para um bate-papo com o público local. Patrocinados pelo Sesc, compusemos o trio que, sob a chancela de Café Literário, debateu a trajetória do livro, que brota da fértil criação do escritor, passa pela sempre desgastante edição até chegar às livrarias - e, se tudo der certo (e geralmente não dá), chegar ao leitor. Pois é. Esse papo rende boa discussão em qualquer lugar do Brasil. Não foi diferente em Colatina.
Nesta última sexta-feira, recebi um mail de um amigo que me questionou, não sem ironia, se eu havia lido o livro "Vestida para Causar", de uma autora chamada Geisy Arruda. Para os amnésicos, Geisy Arruda é a moça que virou notícia (e ficou famosa) por ter sido vítima de abusos verbais numa faculdade do interior paulista. Fui checar a informação. É à vera. O lançamento teve uma tiragem 30 vezes maior do que a tiragem de "Histórias Curtas para Mariana M", meu último romance, e tem, naturalmente, dezenas de milhares de leitores a mais - tanto que caminha para uma segunda edição. Meu livro percorre - até chegar ao consumidor, se chegar - uma estrada esburacada cheia de curvas perigosas e precipícios. O livro de Geisy faz o percurso em linha reta, numa estrada recém-asfaltada, e a 300 por hora.
E se eu disser que Geisy Arruda é admirável? Como a intelligentsia local reagirá? Talvez seja melhor eu me explicar: ela é admirável porque sabe tirar proveito do Brasil e do interesse da maioria dos brasileiros. Eu não sei - e meus queridos amigos Reinaldo e Caê também não. Escrevemos aquilo que não se quer ler, de modo que caçamos leitores como se eles fossem espécies quase extintas - e para nós talvez sejam. Escondidos em furnas, olham-nos de longe, evitam aproximação. Geisy não precisa caçá-los, não precisa sequer de um estilingue. A simples exposição de seu livro merece mídia e, independentemente de sua qualidade, torna-se best-seller consumido por todo tipo de leitor: do acadêmico (que o lê, às escondidas) ao fofoqueiro profissional, passando pela dondoca, pela estudante e pela manicure.
Em meus livros - e também na prosa de Reinaldo e nos versos de Caê - o sexo se faz presente. Às vezes mais estilizado; em algumas passagens, sem a vergonha que o elitiza e o limita. Cenas de sexo são sempre bem-vindas: não conheço leitor que não as aprecie. Segundo o Google, numa das 12 mil menções, o livro de Geisy possui "cenas picantes" e, tenho certeza, garantem seu comércio. No penúltimo livro de Reinaldo Santos Neves, a obra-prima "A Ceia Dominicana", o autor usa e abusa de seu talento para descrever cenas sensuais que se comunicam com "Satyricom", de Petrônio, o poeta latino que morreu há quase 2000 anos. É um espetáculo libertino e intertextual que a maioria dos leitores desta crônica não vai ler. Os poemas de Caê Guimarães são recheados de um erotismo sofisticado, que se oferece ao leitor mais exigente, e que o fazem salivar sem que ninguém esteja olhando. Acredito que Geisy Arruda não tenha a sofisticação de Caê. Também não deve ter lido Petrônio. Imagino que seu livro não se preocupe em dialogar com a literatura clássica. Ela não precisa disso. O diálogo de que ela necessita é com o leitor, e esse ela terá de sobra. Nem precisará participar de Cafés Literários e lamentar-se por não conseguir fazer seu livro chegar ao destino desejado. Nem ela nem Bruna Surfistinha que, por falta de espaço, não entrou na história, mas que, metonimicamente, está nas livrarias, para quem quiser ler. A propósito: eu, Reinaldo e Caê também estamos.
* Com autorização do autor, Francisco Grijó, por escrito
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