NO TEMPO DOS MEUS AVÓS

Recordo os meus avós com muito carinho e saudade, tanto os avós paternos, como os maternos. Lembro-me deles, ainda activos e trabalhando, e também já velhos e dependentes dos filhos, vivendo na casa de meus pais e de meus tios, como naquele tempo em que os lares de idosos não existiam era usual e a palavra lar, significava ainda a casa, a família, o aconchego, o carinho.

O meu avó materno foi o primeiro a falecer, tinha eu seis anos, morreu derivado a uma trombose que lhe tinha dado e algum tempo depois acabou por não resistir. Tinha 60 anos. Na vida dele, era pedreiro, construia casas, mas naquele tempo não haviam os materiais de construção como hoje. Não havia ainda tijolos de argila, como agora, e as casas eram fabricadas com adobe. Adobe eram blocos construidos com terra, que era compactada dentro de moldes fabricados em madeira, e cada um tinha o tamanho de cerca de seis tijolos, perto de um metro de comprimento. Quando estavas secos, eram retirados do molde, e empilhados para construir as paredes. Eram muito pesados e o meu avó transportava-os ás costas, para os empilhar e assim formar as paredes.

Estas coisas foram-me contadas pela minha mãe. Mas também me disse que apenas no verão se podia construir, pois no inverno com a chuva não era possivel fazer os adobes. Então no inverno não havia trabalho e ficavam a dever na mercearia, o pouco que compravam lá, como o bacalhau e o açúcar. No entanto, tinham muitas terras com oliveiras, das quais extraíam o azeite, que vendiam para pagar as despesas. A minha avó materna, era doente, e não podia trabalhar, por isso o marido e as filhas é que tinham que ganhar dinheiro também para o médico e a farmácia, além da mercearia e as despesas da casa. Além das oliveiras, cultivavam milho, e feijão frade, porque viviam junto a um vale fértil atravessado por uma ribeira, onde havia um moinho também pertencente a familiares. Iam lá mandar moer o milho e faziam pão para comerem. As filhas, que eram quatro, incluindo a minha mãe, vinham trabalhar para os campos junto ao Tejo, a lezíria, onde grandes quintas e latifundiários tinham as suas explorações agrícolas, especialmente vinhas. Desse dinheiro, viviam no inverno.

Apenas recordo do meu avó, uma vez fazendo uma fogueira, numa das fazendas, na aldeia onde viviam os meus pais, que era vizinha daquela onde ele morava. Ele andava a queimar ramos de oliveira, e comentava que assim fazia a barba, já que o calor lhe chamuscava a pele. Era só uma brincadeira é claro, eu era pequenina e só recordo o meu avó nesta situação e também deitado na cama, já entrevado da trombose. Quanto á minha avó, acabou por ter também uma trombose mas anos mais tarde, e ficou alguns anos acamada, com as filhas a revezeram-se para tomar conta dela, cada uma uns dias. Mas antes disso, ainda recordo que ela por vezes ficava na nossa casa em Santarém, para cozinhar para mim e a minha irmã, quando a minha mãe ficava na aldeia com o meu pai a apanhar a azeitona.

Foi a minha avó que viveu mais tempo, apesar de doente, lembrando aquele ditado que diz: Mulher doente, mulher para sempre! Ainda conheceu o meu filho mais velho, foi a única bisavó da família. Morreu quando eu já estava casada há alguns anos.

Quanto aos meus avós paternos, como viviam numa casa junto á nossa, tinhamos mais convívio. O meu avó quando trabalhava, vendia nas aldeias vizinhas, o bagaço da azeitona, que era uma pasta que sobrava depois de ser extraido o azeite das azeitonas, e servia para alimentar o gado, em especial os porcos. As clientes dele, pagavam-lhe com galinhas e ovos, num sistema de troca que dispensava o dinheiro. Em seguida ele vendia esses produtos a outro negociante da aldeia, que penso os ia vender á cidade.

Também vendia nas feiras, em especial louças e cultivava as terras em conjunto com os filhos. Com o meu pai, eram três irmãos e uma irmã. Tinham também oliveiras, e vinhas e cultivavam trigo, batatas, grãos, feijões e hortas com alfaces, feijão verde e outros produtos. Também tinham uma carroça, onde tranportava os produtos para vender, pois naquele tempo carros eram um luxo só para os senhores de Lisboa. Tinham também animais, mulas para puxar a carroça, porcos para comer ou vender, cabras, ovelhas e galinhas.

A minha avó fazia e cozia o seu próprio pão num forno que ainda existe junto á casa de minha mãe. Também tinham o seu próprio azeite, e vinho. Eram quase auto-suficientes, e não dependiam de subsídios, nem pagavam empréstimos ao banco. Por isso a crise se existia, era só derivada do muito trabalho que havia sempre para fazer, cultivando as terras, tratando do gado e fazendo pela vida.

Os meus avós paternos quando envelheceram e não podiam viver na sua casa, passaram a viver na casa dos filhos em regime de rotação cada mês, na casa de um. A minha avó faleceu primeiro, e o meu avó recordo bem, ficava de lágrimas nos olhos e escrever-lhe poemas quando já vivia na nossa casa. Faleceu com 85 anos na casa de um dos meus tios quando eu tinha cerca de 19 anos.

Quando os filhos casavam, os pais dos noivos, construiam-lhe uma casa e faziam uma festa que habitualmente durava três dias, por isso não havia empréstimos para pagar. Enfim muito mais podia escrever, mas esta é apenas uma singela homenagem aos meus avós, aqui recordados com muito carinho e saudade, como pessoas puras e trabalhadoras, que sempre viveram com simplicidade a vida daqueles tempos.