Anúncio de cronista

Rubem Braga é número. Número e estatística. Pelo menos foi nisso que o transformei. E devo ter feito bem. Paulo Camargo, editor de Cultura da Gazeta do Povo, lê o meu trabalho. Está com dúvida se eu conseguirei transformar aquele amontoado de tabelas em alguma coisa lógica e coerente. Diz ele que consegui. E diz que o Braga jamais imaginaria que teria suas crônicas esmiuçadas desse jeito. Penso que isso é sorte do Braga. E então ouço tantos elogios que fico desconcertado e não consigo ouvir mais nada. Sei que fez acusações muito sérias, das quais a maior foi a de que tenho autonomia intelectual.

Agora é a vez de uma mulher. Ela logo percebeu que eu escrevo muito melhor do que eu falo. Achou que eu devia estar nervoso. Era natural, ela achava. Mas o trabalho, ah, o trabalho. Ouço elogios do mesmo tamanho. Segundo ela, Lúcia Santaella me adotaria caso eu viesse a morar em São Paulo. E começa a me sugerir opções de mestrado, em Florianópolis, em Portugal, em lugares de toda parte. E arremata com o melhor conselho que encontrou: que eu não entrasse em jornal agora. Que eu não fosse jornalista. Ficasse estudando, pesquisando. Pelo menos por enquanto.

Chega a vez da minha orientadora. Não fala muita coisa, e acho que isso foi bom – eu estava quase sumindo na frente deles. Mas também ela falava bem. E, ao terminar, os três membros da minha banca compuseram um cenário surreal em que, no lugar de discutirem a minha nota, debatiam qual seria o futuro que melhor me cabia.

Em nenhum momento, pelo que me lembro, falaram que eu deveria ir para Brasília. E nem que eu deveria trabalhar numa consultoria ambiental, longe do glamour do jornalismo e mais distante ainda das pesquisas acadêmicas. Também não consta que achassem conveniente eu ficar a mercê dos concursos públicos para crescer na vida. E, absolutamente, não previam que nunca haveria entrevista para os currículos que mando.

Lembro de outro professor. Ele diz que eu não sou jornalista pra esses jornais provincianos do Paraná. Acha que o caminho para mim é o Washington Post. E fala a sério, embora eu ria. É difícil acreditar porque, no fundo, acho que não sirvo para jornalista. A Clarice falou, ou então citou alguém, que há um charlatão em todos nós – e até nela havia. De vez em quando, acho que sou um jornalista charlatão. Sei escrever, e isso é bom. Mas não é tudo. Jornalista precisa ser cara-de-pau. É fundamental que saiba se relacionar e consiga se virar nas mais diversas circunstâncias. Até o momento, não faço nada disso.

A vaga dos meus sonhos ainda não existe. Nunca abriu concurso. Sonho com o dia em que lerei nos classificados um anúncio pedindo cronista. Procura-se cronista, que fale pouco e observe muito. Que fale coisas sérias, e de vez em quando apenas banalidades. Tudo isso em tom ameno, que agrade às senhoras e não afaste os homens de bem. Deve fazer rir e saber emocionar, sempre com discrição. Paga-se o suficiente para uma vida digna. Os interessados, procurar a redação. E eu trocaria o Washington Post por essa vaga.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 26/09/2011
Reeditado em 26/09/2011
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