Um tchiof bem bão
Deus sempre teve um papel muito importante em minha vida. Quando assumi meu atual emprego há sete anos foi por acreditar em Sua Vontade, melhor ainda, contava com o Seu apoio e Sua participação.
Dois anos depois, num dia 15 de junho, é que pude comprovar minhas expectativas a Seu respeito...
O Tchiof
Meu filho João tinha apenas quatro anos e já fazia seus show’s de humor. Contava uma longa história de um meteoro que caíra em terras de um certo homem, que o levara até um cientista que dele faria, inicialmente, um navio, que passou para um avião, depois um ônibus, caiu para um fusca, uma bicicleta e caindo assim sucessivamente até chegar a um anel e, finalmente a um tchiof... Um tchiof? A gente perguntava. É! Com uma colher, derretia o meteoro e metia o líquido incandescente na água fria e... tchiof.
O Arturzinho
Tínhamos um velho fusca que as crianças batizaram de Arturzinho, porque tinha uns acessos de tremedeira como um personagem de seriado infantil de TV da época. Se fosse um ser humano, hoje em dia que temos o Estatuto do Idoso, seria o mais respeitado de todo o trânsito, até porque as leis são rigorosamente cumpridas em nosso país. Mas naqueles anos difíceis de nossas vidas nosso carro só servia mesmo para pequenas viagens. Dava mesmo era muita despesa e dor de cabeça.
A Pindaíba
Naquele tempo meus filhos eram pequenos. Minha mulher não trabalhava fora para me auxiliar no orçamento, meu salário baixo. Parecia que a miséria me cercava de todos os lados. Vivíamos mesmo pela graça de Deus. Mas aos domingos embarcávamos no velho Arturzinho e íamos para os matos dos arredores fazer piquenique. Felizes da vida.
A Oração
Sentia-me incapaz de cumprir a missão que Deus havia me confiado se as coisas não melhorassem na minha vida pessoal. Um dia entrei na igreja matriz de São Sebastião e rezei com muita fé:
_ Senhor, tenho consciência da importância de minha missão e o Senhor sabe o quanto quero cumpri-la. Contudo, sinto-me incapaz de sustentar minha família com os parcos rendimentos do meu atual emprego. Se for de Sua vontade, ajude-me a resolver minha situação econômica.
As Providências
Três providências imediatas o Senhor tomou em resposta à minha oração: arranjou um emprego para minha esposa, conseguiu-me um aumento de vinte e cinco por cento no salário e, acredite, meteu fogo no meu carro...
O Incêndio
Era quinze de junho, noite fria. Fui com minha família a uma missa em casa da Ir. Terezinha. Estacionei o velho Arturzinho à porta da casa, pendurado na descida para o caso de precisar de um tranco, tomei o cuidado de prender a roda dianteira no meio-fio para ajudar o freio de mão.
A missa foi ótima. Celebrada com entusiasmo pelo Pe. Paulinho, depois teve comes e bebes. Às vinte e duas horas entramos todos no nosso carro pela última vez. Ainda oferecemos uma carona para a Regina que aceitou agradecida. Coitada!
Girei a chave. Surpresa! Pegou da primeira. Acendi as luzes, todas funcionando. Uma beleza! Liguei os limpadores para tirar o sereno do parabrisa. Tudo funcionando divinamente. Fomos indo devagar para o Planalto, conversando banalidades. Atravessamos tranqüilamente a BR 262 (ainda não havia a trincheira), no que aprumamos o morro a Regina exclamou:
_ Hum! Que cheiro de fumaça!
Instintivamente, olhei pelo retrovisor interno e pude ver as enormes labaredas que subiam do motor. Ainda pensei: eta, Arturzinho velho de guerra! Nem parou. E foi nessa hora que ele parou.
Os bombeiros
Foi uma afobação para sairmos todos, cinco pessoas, antes que o fogo atingisse o interior do veículo. Outros carros pararam à distância. Motoristas solidários acorriam, empunhando extintores inúteis.
Minha mulher foi com as crianças para a casa dos amigos Dorivon e Rosana que moram próximos do local. Sentei-me à beira da estrada e fiquei olhando as chamas de dez metros de altura consumirem parte do meu minguado patrimônio. A polícia chegou e providenciou a vinda do caminhão de bombeiros sem bombeiros, aquele usado para regar os arbustos das praças que apareceu duas horas depois. Já então, o finado Arturzinho não passava de uma grande brasa ali no meio da pista.
Quando o grande jato d’água caiu sobre ele, minha família já havia voltado, mais calma, e assistia do meu lado a simpes operação de resfriar o carro queimado, O João, então com quatro anos, admirou-se do vapor que subiu daquele monte de aço fervente ao contato com a água fria...
Um tchiof bem bão
Quando vi meus filhos dormindo aquela noite, ilesos afinal, Pensei no risco que corremos e rezei agradecendo a Deus pela graça alcançada.
Na manhã seguinte, na mesa do café, o João me olhou com os olhos cheios de lágrimas e comentou:
_ É, pai. Acabou o Arturzinho, né?
Depois sorriu inocentemente e completou:
_ Mas, pelo menos nós fizemos um tchiof bem bão. Né?