A CÔMICA ORIGEM DA ALGIBEIRA

A cômica origem da algibeira

(Ficção criativa)

Toda ação humana tem sua explicação. Às vezes muito complexa que exigem vários pensadores, profissionais, antropólogos e jornalistas, visto que esses últimos opinam em tudo, para encontrar uma definição, origem ou até mesmo uma opinião comum a cerca do que se trata a especulação. De muitas ações humanas na história nasceram ciências, métodos e estudos direcionados a dar explicações e até soluções para determinados assuntos referentes à existência e ação do homem no mundo.

Dia desses quando estava na Grécia, observando vários gregos em tempos de confraternização, vi como muitos se alimentavam de banquete farto de iguarias mil e ainda tinham o costume de ao final carregar alguns quitutes pra casa. Minha filha que de mim herdou o dom, ou seria o “mau costume”?, de ser observadora igualmente fitou tais atitudes gregas. Em casa comentou comigo e disse que já vinha a muito observando tais atitudes não só gregas, mas de vários humanos. Daí propôs-me a pequena pensante encontrarmos a origem racional de tais ações. À mesa, que é o melhor local para um diálogo de cunho filosófico, eu e minha pequena infanta iniciamos nossas elucubrações de garfo, faca, prato, iguarias, papel e caneta na mão.

O ser humano antes de ser espécie dotada de razão, inteligência e burrice é um animal. E como todo animal tem inerentes a sua existência necessidades “físio-biológicas” em seu ser como alimentar-se, saciar a sede, proteger-se do frio, reproduzir e movimentar-se por aí para saciar as necessidades anteriores com uma incrível ênfase na última. E não para por aí. Tem também imanente a sua existência os chamados “ins-tintos” que cada vez mais com a cultura se tornam “ex-tintos”. Mas a natureza é forte e ainda hoje nossa primitividade é visível. Logicamente se expressando com algumas nuanças culturais, afinal de contas a cultura já é inerente ao homem. Pois bem, é neste ponto que queríamos chegar. Perceber atitudes primitivas em ações contemporâneas, em outras palavras que permanecem em nossos tempos. E mais especificamente a ação de levar comida pra casa oriunda de festas.

Levar comida pra casa, instinto animal

O ser humano (animal) tem a necessidade de levar pra casa (toca) alguma coisa (comida) que lhe é servida em algum evento. Se observarmos outros seres vivos da classe animal podemos constatar que essa ação de comer e levar pra casa é realmente algo instintivo.

A formiguinha quando encontram algum alimento em seu trajeto “formigável” primeiro prova, vê que não mata, degusta, sente o cheiro, aprecia a iguaria depois convoca as companheiras que repetem o ritual. Fazem seu festim e ao final tendo todas saciadas se embrenham pelo território carregando o tesouro encontrado que na maioria das vezes pesa no mínimo umas oito vezes mais que seu próprio peso. E lá na toca servem-se mais um pouco, dão pras mais velhas e mais novas e todas se esbaldam na escuridão do formigueiro. Elas sabem que o que é bom é no escuro que se delicia. Diga-se de passagem isso também é instinto animal.

Observando minhas cadelinhas (tenho duas) sempre que as ofereço alguma guloseima que lhes apetecem cheiram, salivam dão uma mordidinha e procuram seu canto ou até mesmo a casinha para lá se deliciar no conforto e segurança do lar, no caso aqui da toca. Minhas cadelas fazem outra coisa curiosa. Tentam levar cada uma para seu cantinho tanto quanto possível for de pão de queijo, biscoito, osso, carne, etc, e lá às vezes nem comem tudo mas ficam ao lado vigiando e a qualquer sinal de perigo rosnam a mostrar as presas. Isso quando não enterram. Cabe aqui uma correção. Essa atitude das cadelas não vale para a carne. Pois devoram, sem nem mesmo sentir o gosto, toda carne ou semelhantes que lhe são oferecidas. Afinal carne pra cachorro da até morte. Caso semelhante faz minha gatinha siamesa que quando a iguaria é digna de ser servida em festa, carrega consigo para dentro de sua casinha e lá a devora com gosto.

Observemos os passarinhos e veremos como tal atitude também

fazem parte de seu dia-a-dia. Na árvore frutífera, no moinho de fubá, no quintal, galinheiro, porta de padaria, arrozal, etc, se deliciam, tagarelam em seu linguajar “ornitológico”. Depois de saciados a vontade de comer e conversar levam o que lhes cabe no bico para o ninho para partilhar como a prole ou até mesmo desfrutar por mais alguns instantes do banquete que lhes deixou alegres. Afinal melhor que comer é repetir. A aranha também após saciar-se de algum inseto desavisado que lhe caiu na teia mantém atenta a qualquer outro que possa ter o mesmo fim. E captando tal desavisado embola-o para comer a posteriori grudando-o ao canto de sua casa de fios.

Por fim, o mundo animal esta cheio de exemplos a ilustrar o instinto de levar pra casa o alimento já degustado em sua origem. Não vou aqui me alongar em citar mais exemplos uma vez que os já citados já cumprem o papel que lhes cabe nesta dissertação: dar consistência a nossa tese. Isto posto, avancemos ao homem e sua realidade animalesca que ainda prevalece nos tempos hodiernos.

O caso dos humanos

Desde o tempo das cavernas era necessário deixá-las a fim de saciar a fome. Com uma clava na mão ou qualquer outra coisa que lhe servisse de arma, saía à caça ou a coleta de alimento. Abramos uma parênteses. Nestes tempo o homem ainda não tinha tido a burrice de inventar a propriedade privada. Tudo que encontrava podia coletar, que é bem diferente do atual termo roubar. Hoje os biólogos e outros cientistas coletam visto que seu objetos de estudo a ninguém pertencem. Daí o chavão “Biólogo não rouba, coleta!”

Voltemos ao Neandertal ou quem sabe seu ancestral. Onde eu estava...? Ah, sim... O homem das cavernas sai à caça de comida e comendo trás o que sobra pra casa. No entanto, vezes houveram que o que ele trazia pra casa pra comer vinha inteiro e puxado pelos cabelos. Mas se bem que nesse caso eu não sei se o verbo comer já era usado para essas situações naquela época da história. Mas tudo bem!, Voltemos ao que nos trouxe até aqui. O cavernoso também trazia pra casa as sobras e as conservava até comer de novo antes que outros seres minúsculos que nem ele mesmo sabia que existiam comece na sua frente. Quando isso acontecia, só sentia o cheiro do arroto dos vermezinhos das cavernas e que ele entendia como sinal de que alguma coisa cheirava a podre e não era mais saudável degustar. A problemática para se criar a geladeira já existia, olha ela aí.

Já vivendo em civilização quis o homem após suas refeições em grupo nas estepes, savana, florestas, geleiras, etc, levar pra casa a iguaria que os saciara. Pois bem, com exceção dos moradores dos iglus, os homens descobriram que o sal conservava a comida e que ele permitia transportar e conservar as caças por mais tempo sem perdê-las pros vermezinhos. Paralelo a isso descobriram que sal era coisa cara, difícil de se conseguir. Principalmente para quem morava longe do litoral. Sal era coisa preciosa. Tinha gente que trabalhava a troco do “sal diário” (Salário). Como sem sal a caça podia se perder no caminho até a casa, onde as crianças e mulheres os aguardavam com mais fome que saudade, um sujeito que ninguém sabe o nome lambeu seu próprio suor. Percebeu que era salgado e teve a grande idéia de por sobre a anca do cavalo onde o suor corria a rodo a carne da caça. Aí a carne salgava naturalmente durante o trajeto evitando assim se perder o banquete. Vejam só, o instinto de levar comida pra casa da qual o homem já se banqueteou preservou-se, mesmo recebendo nuanças de cultura.

Nero tinha uma política simples e eficaz para governar os romanos. Para manter o povo em seu lugar é possível fornecendo-lhe pão e circo. Daí a política do “pão e circo” tão atual mesmo em nossos tempos onde políticos nos fazem um show (circo) em tempos de campanha e nos dão uma cesta básica (pão) a fim de em nossa gratidão lembrarmos deles nas urnas. Nero conhecia bem esse instinto de comer e levar pra casa. Dava ao povo um pãozinho para comerem ali mesmo na rua e outro para levarem pra casa. Muitos houveram que nem família tinham, mas nesses dias alegavam ter a fim de garantirem o pãozinho a ser degustado na segurança do lar. Não o faziam por velhacaria. Era o instinto vivo e presente.

Nos tempos que o vestido feminino mais parecia um balão nosso instinto animalesco de levar comida pra casa teve algumas alterações com os contributos da astúcia feminina. Era ali que as madames ou as nobres senhoras escondiam os quitutes dos banquetes em que se esbaldavam de maneira a provocar inveja nos famintos do povo. E como o instinto de levar comida pra casa após banquetear-se estava vivo, mais tarde em suas alcovas descerravam sobre a cama as pós-amostras dos quitutes a pouco furtados e escondidos sob o vestido. Comia-as a gosto e contento e se tivesse companheiro o verbo comer se conjugava em outros tempos.

Quando a nobreza foi perdendo lugar para a burguesia emergente, esta queria através do dinheiro ter uma vida digna de reis e nobres. A idéia subiu tanto pra cabeça que inventaram um estilo novo de saciar o instinto da fome e seus sub-instintos de levar pra casa a comida a pouco degustada. Pra se comer no ambiente burguês existe tanta frescura. É talher e vasilha pra cada tipo de iguaria. Inventaram ate regras de comportamento à mesa e batizaram de regras de etiqueta. As regras só servem pra tapar em nós o que é natural, animalesco. Tudo para o bem estar dos que estão à mesa. Etiquetas existem para o que se deve e o que não se deve fazer. Primeiro se diz o que não pode ser feito e depois como fazer de um jeito elegante e fino. Um exemplo claro disso é que não se deve comer alface em folha cortando-a com a faca ou rasgando-a na boca como um coelho, mas deve-se enrolá-la com o garfo e a ajuda da faca fazendo uma pequena trouxinha de maneira tal que caiba na boca de uma só vez. Frescura pura perdoe-me os consultores de comportamento.

As etiquetas dentre várias coisas burguesas tem o desejo frustrado de apagar em nós o que é naturalmente animalesco e servir para diferenciá-los do povão. Mas não pense que estas regrinhas serviram para apagar no gênero humano pertencente à classe costumeira das etiquetas, o instinto de comer e levar pra casa. Inventaram o tal levar pra viagem, drive - in onde se come e pede mais um pra levar pra casa em vasilhas descartáveis higiênicas e econômicas. Sem contar que em toda festa sempre fica alguém em casa que no final da festa é sempre lembrado, mas esquecido no caminho. E as iguarias que eram para alguém que nem sabia da história continuará a ficar sem saber. Exemplar caso pelo qual quase toda criança já passou é quando ao final os meninos e meninas pedem a pessoa que parte o bolo das festas de aniversário infantil um pedacinho pra levar pra mãe. Mentira inocente contada por infindas crianças, inclusive eu. O Pedaço de bolo algumas vezes até chegava em casa. Mas tinha seu fim em algum canto escondido da casa. E o pobre infante mal sabia que era movido por um instinto tão primitivo em sua espécie animal.

E há também nesse meio uma forma bem sutil de se levar pra casa da iguaria provada e degustar com tranqüilidade e segurança. É o costume de pedir a receita. Sutilmente o ser humano ao solicitar a receita esta aflorando esta energia animalesca instintiva de levar pra casa o que se comeu para lá degustar e saciar o instinto. E tudo isso porque a razão de ser deste instinto está intrinsecamente ligado ao prazer de se comer em casa. Em casa é mais gostoso. “Fora pode ser até gostoso, mas o mundo inteiro não vale o meu lar.”

A grande invenção

Que o mundo atual e seu grande avanço tecnológico nos traz um conforto nunca dantes experimentado é indiscutível, mas como bom filósofo das coisas do cotidiano é bom lembrar que tudo começou a partir de uma necessidade. Basta o homem sentir a necessidade e ele pode chegar à lua. E essa máxima vale até para a mais primitiva das civilizações humanas. A necessidade move o homem. Vou me ater aqui apenas a algumas para não prolongar por demais esta nossa comprovação científica do instinto humano de comer e levar pra comer em casa.

A agricultura só nasceu porque o Neandertal não mais encontrou alimento em abundancia para coletar. E ele só saiu da caverna porque queria algo mais confortável. Inventou o banho por que nem ele mesmo se aguentava de tanta “inhaca” e dessa forma ficava cada vez mais difícil a nascente sociabilização. Inventou a fala porque já não aguentava mais não contar pra alguém com quem saíra na noite anterior. Inventou o trabalho pela necessidade de cultivar a burrice e ter algum motivo pra xingar e brigar com a mulher que por sua vez tivesse também uma pra se irritar com as crianças que também por sua vez tivesse motivos para chutar o cachorro que também por sua vez tivesse motivos para morder o carteiro, ou a forma primitiva dele. E só casou pra não mais precisar sair arrastando cada dia uma mulher pelo cabelo e ter alguém pra criticar as atitudes e estourar o cartão de crédito dele. Em suma a necessidade moveu, move e moverá o homem na escalada da evolução ou para quando a corda arrebentar no meio da montanha.

Mas quero me ater ao instinto de comer elevar pra casa e a grande invenção que veio de encontro a esta necessidade humana: a algibeira. Para os moderninhos que desconhecem o significado desta palavra e ao que venha ser isto esclareço que se trata do ancestral de nosso atual bolso. Mas tempos houve que se tratava também de um pequeno saco de tecido amarrado a cintura. Grande invento! Em outros tempos e até hoje ele é usado em festas, recepções, jantares e onde quer que haja quitutes, iguarias, bons bocados.

O indivíduo da espécie humana é convidado para algum evento social ou até mesmo pra alguma visitinha domiciliar. Primeiramente pensa que tipo de festa ele vai e escolhe a roupa apropriada. No caso das fêmeas da espécie esse é um detalhe que demora um pouco mais com relação aos machos. Ah!, quem estou querendo enganar? Elas demoram muito!

Pois bem o detalhe que poucos sabem neste ritual humano é que ele é determinado de forma sutil pelo instinto de comer e levar pra casa. Sim, isso mesmo. Escolhemos a roupa pelo desejo, mesmo que inconsciente de poder ao fim da festa levar alguns dos quitutes para ser degustado no conforto e segurança da toca, digo do lar. E é aí que nasceu o maior invento humano correspondente a necessidade que vimos destacando até agora: a algibeira.

Muito se engana prezado leitor, se achas que a algibeira nasceu para guardar dinheiro, o rosário, esquentar as mãos ou até mesmo carregar a chave de casa. Quando essa parte da indumentária humana foi criada o dinheiro ainda era sal, o rosário era de por no pescoço, as mãos eram aquecidas ao fogo de fogueira ou debaixo do braço e chaves ainda não eram do tamanho que coubessem no bolso. Ela foi invenção específica para transportar uma matulinha. A merenda cobiçada de se degustar em casa oriunda da mesa alheia na qual o indivíduo já se fartara. Grande invento. A ele deve o homem a salvação de possíveis constrangimentos na saciedade de tal instinto. E as mulheres sempre mais espertas nesta arte criaram uma algibeira maior em casa separada da indumentária: a bolsa. Nela cabe a saciedade do instinto e muitas outras coisas mais. É uma versão fashion das primitivas algibeiras que eram saquinhos de tecido amarradas a cintura.

Se ao final prezado leitor ainda me contestares sobre o que neste presente trabalho eu e minha filha defendemos, convido-o a prestar atenção se nas festas, recepções ou onde haja comida livre, que você for não haverá algum nobre colega de espécie animal a furtar entre os dedos algum quitute depositando-o na algibeira. E mais, passe a prestar a atenção em sua voz interior buscando deixar de lado as convenções sociais, para ver se não terás o mesmo ímpeto de agarrar alguma iguaria possível de levar pra casa. Não se preocupe se isso acontecer, não há nada de errado nisso. É só seu instinto falando mais alto.

Gleisson Melo
Enviado por Gleisson Melo em 25/09/2011
Reeditado em 16/01/2022
Código do texto: T3240365
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