Dedicação

Recentemente conheci uma jovem cuja aparência de adolescente contrastava de tal forma com os dois bebês dependurados em seus braços que custei a crer no que meus olhos viam e meus ouvidos ouviam: a inegável semelhança entre os três e o som 'mamãe' a cada dois segundos.

As criaturinhas, com cerca de dezoito meses, eram gêmeos - outro dado claro como água. Um era nitidamente mais sapeca que o outro, fato confirmado pela mocinha, e estavam ali para a aparentemente impossível tarefa de lhes serem cortados os cabelos. Aborrecidas com a espera, ou porque estavam meio resfriadas - ou porque criança dá trabalho, mesmo - o caso é que se agitavam, balbuciavam, gritavam e choravam, às vezes em dueto, às vezes alternadamente, de forma que, por quase duas horas em que lá permaneceram, 'mandaram no pedaço'.

Apesar das reais aparências, a moça era irmã dos meninos. A mãe do trio havia morrido de complicações no parto; o pai dos pequenos os mantinha financeiramente, mas a irmã-mãe os criava - junto com "Fulaninho", o (também jovem ) 'namorido', que víramos chegar com a família pueril, mas fora finalizar as providencias de uma viagem há muito planejada.

Na façanha de educar as crianças contam com ajuda da mãe do rapaz - a quem os fofinhos chamam 'bobó'. Conheço essa senhora, apenas um pouco mais velha que eu. Aliás, conheço toda a sua família: é um pessoal alegre e generoso; a mocinha e os mocinhos encontram-se em boas mãos.

Na façanha de cortar os cabelos dos guris, no entanto, ela contou mesmo foi com nossa ajuda: de pura dó dela (mais necessidade de sossego, é lógico), três dos madrugadores no salão cedemos a vez aos pequenos. E, enquanto um deles despencava de seu pescoço e ombro, brincando de escorregar por seu quadril e perna, para aterrissar no chão, ser erguido e começar tudo de novo, o outro foi aboletado na cadeira alta, e sua atenção trabalhada com musiquinhas, brincadeiras e muito, muito 'tatibitate'. Confesso: tiramos recursos do fundo do baú, mas competir com a 'escorrega' não foi fácil! Imaginem, então, fazer isso duas vezes.

Danielle, a cabeleireira, é mais uma de minhas heroínas. Absolutamente calma, a tesoura indo e vindo e os cachos indo ao chão, com sua habilidade me fez criar novo respeito por ela (acidentes acontecem!). Confesso também que tive dó dos cabelos: amo cachinhos...

De volta à outra heroína: a mãe-irmã interrompeu os estudos, mas planeja fazer faculdade de Direito, quando as crianças começarem na escola. Falei-lhe que tive duas crias antes dos vinte anos, não as larguei em mãos estranhas na fase pré-escolar e jamais me arrependi de haver me dedicado totalmente a elas nesse período terrível, trabalhoso, mágico, arrebatador. "Você conseguirá, também", afiancei. "Eu sei", disse ela, tranquilamente - como durante todo o tempo em que ali estivera.

Pensei na dimensão de tranquilidade que ela necessitou para enfrentar a morte da mãe. E talvez os gêmeos sejam sua real estrada, ao invés de um desvio longo e pedregoso, como muita gente parece pensar. Ou, talvez, ela apenas possua o tipo de inteligência feliz que orienta para a aceitação do que não pode ser mudado, e para o compromisso de fazer o melhor possível, dadas as circunstâncias.

"Fulaninho" voltou, acertou a conta e pegou um dos bebês - o que gritava 'papai' com os bracinhos esticados - e a moça acomodou o outro ao colo; entraram no carro e rumaram para casa.

Semanas depois encontrei o casal abraçadinho, numa festa. Os bebês, é claro, ficaram com a 'bobó' - e com uma babá, que ninguém é de ferro.

É fenomenal ser jovem e ter um propósito; é fantástico ter planos e tão bela certeza: dedicar-se a buscar conforto e alegria para alguém, ser aceito, cuidado...

Haverá sentimento como o Amor? Os gêmeos sabem.

Gina Girão
Enviado por Gina Girão em 23/09/2011
Reeditado em 18/09/2013
Código do texto: T3236843
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