Janela Indiscreta

Não existe pretensão maior que a de julgar-se...

capaz de fazer um julgamento

alheio!

Acompanhar as novas - boas ou más - da casa do vizinho é um hábito - feio, muito feio, não faça isso em casa! - que sempre divertiu o povo. Não é à toa que os "BigBrothers" da vida fazem tanto sucesso. Muda-se a pátria, mudam-se os patrícios, muda-se o canal, mas se há algo que não se muda é a natureza dos homens.

Quem nunca viu, ainda que a distância, um bando de urubús se formando em torno de um acidente? Parece que o sangue libera algum tipo irresistível de feromônio gregário... Parece, mas só parece. Quem nunca bisbilhotou ou se sentiu bisbilhotado? Quem nunca pôs um copo numa parede para melhorar o audio de algo que nem deveria se ouvir? Ouviu? Se não (parabéns!), mas ao menos ouviu falar.

Ainda pior que estar numa janela indiscreta é saber que cada par de olhos curiosos é acompanhado por uma enorme boca maliciosa e, de um a dez, dedos pontudos afoitos para mirar num alvo distraído. E quanto mais interessante sua vida se torna, menos com eles você se importa. E é aí que a audiência aumenta.

"Só pessoas que enchem o saco ficam de saco cheio. Têm de viver se cutucando continuamente para se sentirem vivas." - Bukowski

Há indivíduos cujas vidas são tão vazias que encontram no voyerismo uma esperança. Fazem dele uma ferramenta para nutrir suas carências através das abundâncias alheias. Talvez por estarem com suas pobres bundas acomodadas demais para se moverem em busca das próprias realizações, talvez por serem tantas as frustrações que já não encontrem ânimo para vencê-las, ou ainda, talvez por serem de uma pequenez tamanha que se sintam satisfeitos em subviver no camarote dos que ocupam o palco da vida. Acabam por se tornar sombras daqueles que andam sob as luzes. Contentam-se com as sobras do mundo e, quando muito amargurados pelos próprio desgostos, passam a assombrar, na tentativa de ofuscar aquilo que lhes é estranho, afinal, a felicidade alheia incomoda e lutar pela própria dá muito trabalho...

Mas dentre todos os tipos de más-ações, intenções e intecionados, poucos são piores que aqueles disfarçados de bondade. Aquele que julga e critica e condena, porque "sabe o que é melhor". É o dono e soberano "da verdade" - sim, pois para este, ela é única. E lá está ele, na soberba: uma sala sem espelhos; um patamar de onde se grita sem ouvir o eco. Quem faz o mau por prazer, ao menos tem a dignidade de assumir-se mau, mas quem o faz disfarçado por nobres razões, é de uma hipocrisia nauseante.

Se cada um se concentrasse em viver sua vida, conforme seus próprios princípios e padrões, sem tentar enfia-los goela abaixo daqueles que optam por viver de forma diferente, e se tal diferença fosse por ambos respeitada, não seriam necessárias tantas cercas e cortinas, não seriam necessárias tantas leis e penitências, nem mesmo seria necessária uma crônica como esta. Mas, infelizmente, ainda é...

Pois lá está ela, a presunção, pairada na janela.

*Crônica publicada no caderno Mulher Interativa, do jornal Agora [Rio Grande, RS], em setembro de 2011.