Presente de grego

Não havia meio de atender naquele trânsito maluco e eu não atendo estando ao volante. Não dá mesmo para “assobiar e chupar cana”. Mas o aparelhinho infernal insistia com aquela musiquinha irritante. Já percebeu que não adianta mudar o toque? Que a musiquinha do celular é sempre desagradável? Imaginei que para justificar tanta insistência devia ser algo muito importante. Achei um jeito de parar e ainda com o motor em funcionamento atendi:

_ Alô?

_ É o Sr Adão?

Ih! Me lasquei. Pensei: quando me chamam de Sr Adão é problema na certa. Alguém com uma proposta boa nunca me chamaria assim. Era cobrança ou alguém querendo me vender um elefante branco. Diz a sabedoria popular que proposta boa nunca vem à porta.

_ O próprio. Respondi tentando emprestar à voz pelo menos dez por cento da amabilidade da mocinha do outro lado da linha.

_ Sr Adão, eu sou Vanessa e estou ligando para o senhor da parte da Operadora Fulano de Tal para dar-lhe uma notícia muito boa.

_ Ah, é, é? Que bom Vanessa! Vai ser a primeira essa semana.

_ Sr Adão, o senhor foi contemplado com um aparelho celular novinho, da marca Tal, já habilitado.

Tenho um problema sério. Ceticismo. Não acredito no Papai Noel. A única vez que pus meus sapatinhos na janela fiquei sem eles. A palavra contemplado em si já me dá um susto. Pobre quando é contemplado é com um furúnculo na bunda. Ou então com esses presentes de grego. Já fui contemplado com uma quota num clube, totalmente grátis, eu só teria que pagar uma taxinha de adesão de dois mil reais e a quantia irrisória de oitocentos reais mensais de manutenção. Já fui contemplado com uma coleção de livros novos, entre eles um novíssimo curso de informática elaborado no ano de setenta e oito, eu só iria pagar os custos de transporte que não chegariam a mil reais e, claro, também já fui contemplado com o tal furúnculo, que veio acompanhado de outro na axila.

_ Mas, Vanessa. Eu já tenho um celular, filha. Você ligou para ele, lembra?

_ Mas, Sr Adão, a sua operadora não é a Fulana de Tal.

_ Não. A minha é a Ciclana de Tal.

_ Então, Sr Adão. O senhor já conhece as vantagens que a Fulana lhe oferece?...

E pôs-se a enumerar as vantagens da Fulana. Incrível como as operadoras oferecem vantagens hoje em dia! Tem plano para falar de graça com a sogra por trinta e um anos. Já pensou que maravilha? Enquanto isso a Economia mundial vai entrando em colapso, as pessoas estão gastando seus recursos só em telefonia. Já tem gente ligando de celular para pedir esmola. Não se concebe um cidadão sem celular. Podem lhe faltar os dentes mas o bichinho móvel tem de estar ali na ilharga.

No meio daquele dia, um sol de rachar, eu ainda com a agenda inteira por cumprir. Sinceramente, tive vontade de mandar aquela mocinha educada para os quintos, mas pensei no trabalho miserável a que ela era obrigada a se submeter. Empurrar presentes de gregos a pessoas ocupadas, enfastiadas de tecnologia e falatório inútil. Com certeza nem todo mundo conseguiria ser-lhe gentil como eu estava me esforçando para ser. Mas tive que interromper sua descrição da oitava maravilha do mundo:

_ Olha, moça. Desculpe, eu estou no trânsito, não tenho interesse pela sua oferta. Não perca mais o seu tempo comigo, tá ok? Não me leve a mal.

_ Tudo bem, Sr Adão. Posso voltar a ligar outra hora?

_ Só se for para falar de outro assunto, filha.

Engraçado! Acho que ela não tinha mesmo outro assunto.

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 23/09/2011
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