Desilusão


Há dias que a gente acorda e, do nada, uma letra de música parece grudar nos pensamentos, de forma que se fica, pelo dia afora, cantarolando. Assim aconteceu e fui regatar a letra da música de Marisa Monte: ”Solidão é livre/Que cobre tudo/Amargura em minha boca/Sorri seus dentes de chumbo. Solidão, palavra/Cravada no coração/ Resignado e mudo/No compasso da desilusão...”.
Ninguém escapa de um dia se decepcionar com o outro, tendo sua expectativa ruída, atropelada, desabada, desgastada. As razões são inúmeras, desde a viuvez, desejo de morte, até decepção com amor, como fala a letra. A tristeza profunda, o recolhimento sobre si e a solidão podem ser passaporte para a depressão, como ponta-pé de uma representação de uma realidade que não se consegue elaborar, digerir. Passa-me a imagem de uma pessoa que toma um barco e fica à deriva, como se uma forte onda fizesse a condução para o nada e a pessoa sem coragem para pular, nadar, buscando a terra firme, ou se tenta sente a terra escorregadia e afunda. Faltam-lhe recursos para se pôr de pé, enfrentando todo tipo de onda, correntezas que quiseram lhe colocar distante dos fatos, dos outros.
A depressão leve e grave não ocorrem de supetão. De forma insidiosa vai penetrando nos pensamentos, nos sentimentos e aflora o querer se distanciar da realidade, como se nada mais importasse, anestesiando-se do que consegue enxergar, permitindo que vá sobrevivendo em sua solidão.
A saída medicamentosa tem que acontecer em paralelo com ajuda psicológica, sendo a abordagem cognitiva comportamental muito indicada por psiquiatras. Estes auxílios ajudarão a buscar força dentro de si, para lidar com visão do que a incomoda, com a representação da realidade que passou a ser intolerável, com a elaboração de seus pensamentos, com o lidar com sentimentos contraditórios, envolvendo culpa, desejo, ressentimento, decepção, ciúme, tristeza, desilusão por se decepcionar com a atitude do outro.
Jung já dizia que o mundo hoje é inimigo da liberdade, um inimigo da vida. Há uma prevalência ao princípio do prazer e a substituição do princípio da realidade, como propagava Freud. As frustrações são difíceis de serem assimiladas. A vida saudável é construção, é aprendizado. Por vezes conseguimos sozinhos, em outras ocasiões há necessidade de ajuda para construir um caminho seguro para se viver com qualidade.
A letra da música de Marisa termina assim: “Apesar de tudo/ Existe uma fonte de água pura/ Quem beber daquela água/ Não terá mais amargura/ Oh!...”. Há quase sempre uma fonte, uma saída.

Edméa
Enviado por Edméa em 22/09/2011
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