O VELHO JORNAL
Outro dia, ao arrumar uma velha mala, achei um recorte de jornal datado de 1976. O papel amarelado pelo tempo, trazia uma foto que me chamou a atenção. Nela, um certo barbudo, vestido com uma camisa barata e um boné. Seu olhar trazia uma mensagem de força e esperança. Uma das mãos, visivelmente calejada, apontava para o céu. Em volta do homem, um grupo de operários olhava atenciosamente para ele.
Meu coração foi tomado de uma nostalgia esquisita, como se algo daquela época despertasse. Lembrei das utopias; da sensação de que podíamos mudar tudo; das dores das porradas que eram motivos de alegria; dos sonhos por um país justo e de todos; lembrei; lembrei e lembrei.
Fiquei assim, parado olhando para o velha foto de alguém que personificava o sonho de uma geração; alguém que assim como a maioria de nós, viveu a morte de uma esposa vítima do descaso crônico que gera morte; que sentia a dor de não ter para alimentar a família; alguém, gerado na região mais pobre deste país, onde crianças morrem sem saber que são gente; alguém, que sentia o sabor da marmita requentada; alguém, que se parecia com qualquer um de nós; alguém como eu.
Confesso que ainda enxerguei uma verdade naquele operário que representava o ideal.
Fiquei assim, até que uma voz familiar na televisão me trouxe de volta. Na tela, um senhor com a barba grisalha, vestido num terno de marca, olhar altivo, gestos finos e fala firme. Olhei por um tempo a imagem da televisão e depois voltei o olhar para o homem do jornal. Pensei nos últimos oito anos e me voltei para a janela, encarei o mesmo Brasil que lutávamos para mudar. Vi o mesmo Brasil dos velhos caciques, das mesmas desigualdades, dos privilégios, dos escândalos, das filas nos hospitais, das drogas, em fim, o Brasil dos poderosos.
Olhei de novo para a foto e depois para a televisão. Fiz uma pergunta com a consciência que jamais terei a resposta: Quem mudou quem? Chorei um choro de quem não tem mais tempo, nem forças para lutar.
Desliguei a TV e rasguei o jornal.