Até amanhã
Neste mundo atual, com gosto de plástico e sem arte, não sei o porquê, mas me lembro com saudades do “Turco”, o colunista social da minha época, Ibrahim Sued.
Diziam e era verdade que não tinha a menor cultura. Falava errado e quando isso acontecia, na televisão, ele sorria e completava: “tropecei na palavra”. E continuava a falar sem o menor problema. Ao terminar o seu programa, encerrava sempre assim: “ Agora que você já está bem informadinha, deitada na sua cama, À demain!"
Todos os colunistas sociais de hoje são discípulos dele. Ele soube valorizar uma coluna social e foi um criador de frases. Até filosofava: “ Cavalo não desce escada”. “Os cães ladram e a caravana passa”.
Fui justamente lembrar de alguém que era considerado ignorante na minha época, embora tenha mostrado uma inteligência prodigiosa. E por quê? Simplesmente para informar ao leitor que no tempo de ouro do Rio de Janeiro até os ignorantes eram geniais.
Deixou ele vários livros, naturalmente revisados para um português correto. Foi o jornalista mais lido de então.
Se passarmos para os grandes críticos do futebol, onde vamos encontrar hoje um Saldanha, um Armando Nogueira? No teatro, idem, onde encontrar um Sergio Cardoso, paraense, um Paulo Autran, uma Cacilda Becker? Na música, onde enxergar um Orlando Silva, um Francisco Alves, um Carlos Galhardo? Não quero humilhar, por isso estou citando dois ou três em cada área. Tem muito mais gente genial. Muita gente, mesmo! Ó, meu Deus, onde foram parar a inteligência e a arte? Sei, sei o que você está pensando agora, meu amigo leitor. Está lembrando dos medíocres de hoje. Eu também! Mas por favor, não me obrigue a citar estes nomes.
Voltemos para os antigos. E a literatura, hein? Clarisse Lispector, Guimarães Rosa, Érico Verissimo, Mario Quintana, Manuel Bandeira, Jorge Amado, Gilberto Freyre, José Lins do Rego, Nelson Rodrigues. Vou parar por aqui, senão eu choro.
Só repetindo o Sued: “Sorry, cafonice.”
Dizem que a estátua do Ibrahim, na porta do Copacabana Palace, toda noite cria vida e ele toma champagne Veuve Clicot e, rindo, repete sua famosa frase: “ À demain, que eu vou em frente. De leve.”
Outro dia vi um jovem dos seus trinta anos, fazendo humor na televisão e, em dado momento, querendo aumentar a gracinha dele, saiu-se com essa: “olha gente, ontem peguei uma música antiga da minha mãe, veja só que ridículo, tudo rimadinho...(fazendo umas caretas). E ele e a plateia de jovens gargalharam até não poderem mais. Vejam só: a arte foi motivo de riso. Nunca fiquei tão sério e muito chocado.
E eu, na minha ingenuidade, estava achando que o jovem não estava bem informado e que poderia ainda sentir a arte que já vivemos. Como este pobre artista estranhou a rima, verifiquei que não há mais nada a fazer... A frustração é tão grande que ao me lembrar novamente do "turco", filho de libaneses, com seus comentários inteligentes, isso passa a ser motivo de júbilo para mim. Os mais velhos vão entender e, com certeza, se lembrarão de muita coisa que passou e não volta mais...
Não se trata de, simplesmente, fazer crítica ao jovem, talvez seja o menos culpado e é com os moços que o mundo vai continuar. Acho que houve uma quebra de continuidade saudável entre minha geração e a atual, a conexão foi rompida em algum momento , tanta coisa pode ter acontecido... É sabido que a tecnologia pode mudar toda uma geração de um só golpe.
O fato é que nós, os mais velhos, sentimos agudamente este divórcio com as novas gerações e, quando olhamos para os lados, não encontramos mais os antigos talentos que nos acostumamos a ver.
Ontem, recebi uma piada pela internet, que se ajusta como luva, para fechar minha crônica.
“Ô Pai, se é para acabar com o mundo, por favor, acaba logo, mas não judia, não!”