Uma Lição de Vida…

Sem entrar em demasiados pormenores que francamente não interessam, porque podem tirar o sentido destas palavras, em tempos tive um emprego onde a minha tarefa era de, depois das aulas, “tomar” conta de crianças e pré-adolescentes até se esgotar o horário escolar definido na lei…Felizmente que ao primeiro contacto me dei bem com a professora deles, e esta deu-me algumas tarefas…: depois do almoço fariam os trabalhos que ela lhes deu, e seria eu a coordenar e corrigir esses trabalhos, depois, era por minha conta, mas tendo que ter um cuidado pedagógico nesses tempos livres…E de facto as coisas correram de uma forma exemplar: até acabar o contracto todos os alunos faziam os seus trabalhos, e faziam muito bem, e depois era o seu tempo…e foi assim que desenvolvi o gosto delas e deles pela leitura e pela escrita, lendo contos ou fazendo com que eles escrevessem as suas próprias histórias, incentivando a sua imaginação, foi assim que lhes desenvolvi o gosto por enciclopédias, trazendo depois exemplos das imagens que viam, ensinei-lhes a pintar, e em pouco tempo todos pintavam invulgarmente bem…No primeiro dia, um dia terrível para todos os trabalhos, estabeleci os seus limites…: em suma, seria uma espécie de irmão mais velho se cumprissem as regras, que até não eram muitas, mas eram regras…e seguiram tal à risca, aproveitando a sua liberdade, não abusando dela, respeitando esta, porque era Liberdade, e a Liberdade deve ser sempre respeitada…E assim além de monitor me tornei de facto o seu irmão mais velho…estabeleceram-se laços de solidariedade incomuns, e assim mais do que um técnico e alunos, éramos Amigos…ao ponto de ter convencido um amigo meu a aparecer nessa escola com o seu carro…um carro que eles só viam na televisão, e quando viram o carro foi como se tivessem visto a lua…e pudessem tocar na Lua…Claro que crianças precisam de ar livre, e boa parte do tempo era passada a fazer desporto, mas o engraçado é que por vezes lhes dava uma tarde inteira para o desporto, para o ar livre, mas às tantas eles voltavam para a escola e me diziam que queriam ler, queriam pintar, ou queriam meramente falar…falar por falar, falar de tudo, que foi um dos espaços que criei e que eles mais gostavam…falar livremente…

No último dia de trabalho decidi fazer-lhes uma surpresa, a Maior de Todas as Surpresas, das que tinha feito…: levei-os para um café coloquei-os à frente dos gelados e disse-lhes para escolherem um cada um, mas o que quisessem…eu pagaria…

Estava à espera que eles escolhessem os mais caros ou mais vistosos gelados (qual a criança que sabendo que o poderia fazer não o faria…?)

Engano meu…

Todos os elementos do grupo, todos sem excepção escolheram o gelado mais barato que havia…

Foi uma das maiores lições da minha vida…

Crianças que tinham no máximo 11 anos mostraram-me um nível, uma educação que eu nunca vi…individualmente sim, mas em Grupo não…

Pelos belos momentos em que estranhos se transformaram em Amigos e sobretudo pelo seu acto final de honra, por muitos anos que viva, por muito que faça, jamais esquecerei essas crianças, jamais esquecerei esses amigos e amigas…

E só tenho pena que as pessoas deste meu país quase eternamente em crise, desta minha Europa que deixei de reconhecer, não tenham globalmente o espírito daquelas crianças…tudo seria bem mais fácil se o tivessem…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 21/09/2011
Reeditado em 21/09/2011
Código do texto: T3232966
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