O Tempo Feio

No amanhecer do novo dia, o jardim da casa de triste chora e os pássaros coloridos de amargurados não cantam. O bom homem toma o café da manhã com rosquinhas enquanto lê o jornal e comenta com a esposa sobre as manchetes que chamam sua atenção. Condena as injustiças estampadas, enquadra uns figurões da social, desvenda crimes das páginas da polícia e planeja trocar de carro nos classificados. Despede-se da mulher, entra no carro e sai para o trabalho um, dois, três, quatro, cinco minutos após o horário de costume.

O ciclista emparelhado conversa distraído no caminho e o homem buzina. A retribuição é gestual e nada afetuosa, mas o percurso é longo e o tempo escasso. O semáforo é visto à distância, mas não confia tempo ao passante de todo dia e se avermelha, pareceu falta de sorte. Trinta segundos demorados, o verde acende a vontade de sair do lugar, exercer a liberdade de ir e vir. Mas há o pára-choque traseiro do carro da frente, o dianteiro do carro de trás. Depois de repetidos os estágios do sinal é que o sujeito atravessa a rua abarrotada. Segue a fila lentamente, as bicicletas se vão, e as crianças nas calçadas, e os animais de rua também se vão. O tempo voa e as rodas não rodam.

A fila anda e para, a fila anda, a música amola, os vidros embaçam, desliga o rádio, buzina. O que vai à frente confere no espelho, torce o nariz, devolve o protesto. Outro motorista adverte os dissidentes à altura e literalmente, buzina. Dois carros à diante, a mulher se aborrece, e xinga baixinho. A fila anda. Ceder passagem seria um crime, desaforo. Aos pedestres ainda vá, mas sobre a faixa, por favor. Vai lesma! Reclama o cidadão. Um, dois, três, quatro, cinco minutos sem sair do lugar. Ninguém aguenta, alguns merecem, todos protestam.

Sobe a rua e a avenida o bom homem, desce a segunda à esquerda e vira à direita, segue a mão única, pega à esquerda e logo à esquerda novamente. E está tudo parado também. Ele sobe na calçada, assusta a idosa e o netinho, faz a volta. Pega à direita duas vezes, entra na contramão, segue um quarteirão, vira à direita, contorna o trevo, passa pela ponte e entra no acesso restrito a moradores. Atravessa o terreno particular, entra na principal, segue ligeiro até a placa que indica a via em sentido contrário adiante, vira à esquerda no primeiro semáforo, à direita no segundo. Há semanas não era tão difícil. Chega ao trabalho um, dois, três, quatro, cinquenta minutos atrasado. Naturalmente, percebe alguns lugares vagos, as janelas fechadas, uma gente afobada. Tira o casaco, pega um café, liga pra casa e pergunta à esposa se ouviu da previsão do tempo sobre até quando dura a trovoada.

Di Souza Porã
Enviado por Di Souza Porã em 20/09/2011
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