Excesso e Leveza

"Sonhei com Oxum e ela perguntava: - Onde estão os presentes que eu te entreguei?

- Não sei, Grande Mãe - eu respondia, sem notar que os presentes se espalhavam ,perdidos e jogados, pelo chão..."

Esses dias, comprei outro livro, uma outra revista, que não vou ler inteiro, que não vou ver inteira, mas comprei assim mesmo, vai que seja necessário, vai que seja preciso.

Cheguei em casa e coloquei os livros em cima da estante dos livros esquecidos, outros tantos que nunca receberam o milagre da minha atenção, além daquele momento efêmero no passado, quando os comprei por acreditar que os leria de fato.

Cheguei até a abrir a revista, ler a primeira página, mas havia uma outra revista que me interessava, e uma outra, outra outra...

Que coisa mais boa é ter condições de pagar a nossa educação e investir em nossa informação, tendo a nossa disposição, todo esse conhecimento que muita gente, lá atrás, teve que fazer juramento de vida ou morte, só para ver uma parte, só para ver qualquer parte, parte daquilo que hoje, deixamos jogado pelo chão.

Qual o valor do conhecimento, meu irmão?

A sua atenção! A sua atenção!

Tudo em excesso faz virar a mesa, a prosperidade vira obesidade quando o que recebemos já não satisfaz e passamos a querer extrair mais e mais; sem aproveitar o processo, sem prestar atenção na beleza do caminho.

Qualquer coisa vira obsessão, meu irmão, até mesmo querer saber mais em vão.

Daí, o universo passa a lição e eu que vejo em tudo uma chance de obter mais informação, vinha vindo por uma rua dessas, mais com pressa do que contente, e meu pé torceu e parte dele ficou doendo, o que me levou a prestar atenção a um saco de lixo cheio de livros, muitos quais eu sempre quis encontrar para comprar.

Era uma maldição e um milagre, ao mesmo tempo, pois enquanto a dor me obrigava a cuidar do pé, aquele saco de livros abandonados queria que eu os levasse para casa, porém, que saco plástico pesado!

Fui arrastando o saco com os livros, mesmo assim, mesmo sentindo que a cada passo, aquele saco de livros pesava muito mais em mim, aumentando o peso sobre meu pé e que seria melhor deixar aquele saco em algum lugar, lugar qualquer, mas parte de mim dizia: "carregue, tem muita coisa aí que você precisa saber! Esses livos foram colocados ali para você."

Será?

A riqueza mora na consciência de que é preciso apreciar o que se tem, e às vezes, é preciso cortar o excesso ou mesmo parar de querer mais - ACUMULAR - para conseguirmos ver todo o resto que passou desapercebido e deixamos para trás.

Mas eu precisava daqueles livros...

Daí, tentei achar um taxi, parar um ônibus, estilingar algum helicoptero, qualquer veículo que pudesse me levar dali com os meus livros, mas quando mais eu me arrastava com aquele saco pesado e com o pé dolorido, mais eu parecia estar perdido; e estava, pois ao ver um desses homens com aquelas carroças "Cata-Tudo" vazia, surgir à minha frente, eu percebi o que estava se apresentando de verdade e qual lição eu deveria aprender com o meu pé dolorido e aquele saco de livros.

Respirei fundo e olhei mais uma vez para o saco cheio de livros, mas segui em frente no que meu instinto me dizia, e parei o homem cata-tudo e disse:

- Moço, eu tenho aqui um saco cheio de livros. É seu ! - disse entregando - Esses livros valem uma grana, vá até um desses sebos e o senhor vai ganhar uns trocados.

O homem do cata-tudo, com o olhar surpreendido, viu os livros e voltou o seu olhar para mim e disse: - Vou vender não, senhor! Eu tomo conta da biblioteca lá da comunidade e esses livros vão fazer a alegria da molecada de toda idade que passa lá para ler ao invés de ficar por aí fazendo bobagem! Brigado!!!

Enquanto observava o homem cata-tudo indo embora pelas ruas do Itaim, percebi que o meu pé já não mais doía...