PARECE PALHAÇADA

“Sejamos fortes, tolerantes e disciplinados;

pois a tolerância e a disciplina são as únicas bases da democracia”

(Indira Gandhi)

Depois da meteórica aparição da Prof.ª Ana Gurgel em rede nacional, surgiu um novo modismo entre os críticos da educação adeptos das correntes virtuais: comparar os salários de professores com os de atletas, artistas e governantes, como tentando induzir o leitor a aceitar aqueles como vítimas indefesas e estes como vilões implacáveis.

Nesse bojo, há desde os moderados, que apenas criticam os altos salários dessas celebridades, até os mais exaltados, que propõem uma revolta popular, com o fechamento de escolas, boicote à economia e deposição de governos, entre outras medidas.

Fico confuso quando educadores que tão ardorosamente defendem o estado democrático de direito, a tolerância e a fraternidade usam atletas, artistas e governantes bem sucedidos, porém não-escolarizados, como Ronaldinho Gaúcho, Popó, Tiririca e Lula, para ilustrar o fracasso educacional do país; como a insinuar que a falta de escolaridade dos bem sucedidos representa um perigo iminente à nação. Sabe-se lá se não foi exatamente por ‘não terem passado pela escola’ que eles se tornaram o que são?! Basta lembrar que os maiores escândalos de corrupção do país têm sido protagonizados pela fidalguia, formada por nobres gentis e insuspeitos, não pela plebe, constituída de incautos e indoutos.

Ao contrário de ameaça ou pecha, esses supostos burros são exemplos de superação e inteligência que a nós [professores] bem faria imitar: Ronaldinho e Popó já foram os melhores do mundo em suas categorias. Enquanto isso, Tiririca conseguiu convencer mais de 1 milhão de eleitores de que era digno de os representar em Brasília. Parece palhaçada, mas isso tem outros nomes. Determinação pode ser um deles.

É premente a necessidade de valorização do professor [a começar pelo próprio], e não só monetariamente falando. Porém, outras pessoas não devem ser demonizadas por possuírem habilidades que as permitiram, mesmo com a suposta desvantagem de não serem escolarizadas, atingir posições e salários que nós, com todo o aparato acadêmico que temos, não conseguimos [ainda]. Elas não têm culpa de o país gostar mais de futebol e de palhaçada do que de educação escolar.

Esses “eleitos da graça”, ao invés de ficarem apenas lamentando e comparando seus salários com os de outros atletas ou artistas, batalharam e foram em busca daquilo que queriam, julgavam merecedores e, sobretudo, acreditaram ser capazes de conquistar.

Não pergunte ao seu colega, aos governantes ou a qualquer atleta ou artista milionário, mas a si mesmo: “eu tenho esse senso de autovalor e da necessidade de determinação para mudar minha própria história, a história de minha categoria e, por fim, a história do meu país? Eu acredito que isso é possível?”

Isso se consegue com competência técnica, comprometimento moral e poder político – coisas um tanto em desuso em nosso meio –, não com lamentações e discursos vazios que estimulam o preconceito e a intolerância contra aqueles que têm se mostrado mais habilidosos, mais carismáticos e, por que não dizer, mais politicamente competentes do que muitos de nós.