" A LOIRINHA GOSTOSA DA TARDE "
A LOURINHA GOSTOSA DA TARDE
(Em 21 de abril de 2011)
= Ronaldo Trigueiros Lima =
Era sempre pela tardinha, por volta das quatro horas, que ela aparecia na eqüina da Mariz e Barros com a Praia de Icaraí nos idos dos anos sessenta, segurando a mão do irmão menor, que infalivelmente carregava junto ao peito uma bola de futebol. Ficava por algum tempo parada, atenta a fluência do trânsito e aos cuidados renovados sobre o irmão, que me parecia (pelo menos de longe) inquieto, arteiro, como se quisesse testar a autoridade da irmã, longe dos olhares dos pais.
Peguei-me muitas vezes observando a lourinha da tarde, escondido por detrás do vaso de samambaia que enfeitava a janela daquela antiga mansão que minha tia alugara, hoje demolida, substituída por um desses caixotes empoleirados que chamamos de edifícios. Não sei por que fazia isso? Que diabo... Por que me esconder se tudo o que eu queria era ser notado por aquela adolescente linda, resultado de uma mistura de pai inglês com uma brasileira? Verdade é que certo orgulho me impedia que ela me visse assim “entregue!” Que me “surpreendesse” espionando suas pernas, suas coxas torneadas, deslumbrantemente rosadas, esfuziantemente belas! Meu coração parecia saltar pela boca toda vez que ela surgia naquela esquina, acautelando-se para atravessar a rua de mãos dadas ao irmãozinho. Uma espécie de “poção” paralisante de efeito imediato apossava-se de tal forma de mim, que acabava “beijando a lona” completamente nocauteado. Por isso não ousava fitá-la frente a frente, o inexplicável me impedia de me colocar nesta “aventura” sem titubear, sem me derreter com aqueles olhos lindos cor de mar,como antes já o fizera com outras moças que me atraíram.
A única certeza que vinha a mente, era o “mico” de um tremor incontrolável nas mãos, nas pernas, na fala, enfim por todo meu corpo. Nunca ninguém tinha me causado tanta emoção e tanto desejo. Entretanto, a idéia de uma possível recusa que ela pudesse me fazer, acabaria certamente comigo... Um simples olhar de rejeição a mim direcionado me transformaria em uma pedra, num homem inseguro, “morto de medo... Por que arriscar então?” Embora ela tivesse momentaneamente ali, alguns metros da janela onde eu me encontrava, aparentemente sem saber de nada, sem saber de mim, atenta ao trânsito, preparando-se para atravessia, “doida” para chegar a praia.
Ficaria, pelo menos, por dois minutos ao alcance da minha voz, ao alcance de um gesto aleatório qualquer que eu fizesse, um simples e breve aceno capaz de mudar o mundo. Um simples suspiro que fosse para que se apercebesse da minha angústia e notasse a minha presença, e definitivamente “sentir” através dos meus olhos, minha expressão embevecida, apaixonada, completamente entregue aos “debruns” da janela, a ouvir “passarinhos “ cantar sem saber aonde!
Esperei por segundos de eternidade na esperança que ela olhasse em minha direção. Neste caso, estava preparado para exibir timidamente, o sinal positivo de mão fechada com polegar para cima, na ânsia de receber, quem sabe, uma resposta igual pelo gesto que supostamente deveria ser o mesmo. Ou até quem sabe, arrancar daquela deusa adolescente, um simples sorriso evasivo, que seria a glória prazerosa da tarde linda e quente. “Um simples olhar carregado de distraída ternura, pronto para abrir as portas do começo do mundo”, transformaria todo aquele momento no marco do conhecimento... no prelúdio sinfônico que poderia dar certo. Talvez ela já soubesse de mim. Soubesse da minha existência. Soubesse do segredo do binóculo que eu usava toda vez que a via!
O binóculo que a perseguia nos mínimos detalhes, fazendo com que ela se aproximasse dos meus olhos desejosos mercê da minha vontade. Talvez ela soubesse mesmo, e justamente por isso, fingia ignorar-me, castigando-me por todo aquele silêncio incompreensível e perturbador.
Infelizmente nada aconteceu. E sem nenhum sinal que pudesse acender meus olhos, atravessou rapidamente para o outro lado da rua, e contendo a agitação do irmão alcançou a praia. Foi a última vez que eu a vi. E o pior é que nunca soube seu nome.