NO TEMPO DO CANDEEIRO A PETRÓLEO

Esta pretende ser uma crónica continuando a recordar a minha infância e adolescência, na aldeia onde nasci e vivi até aos 13 anos. Chama-se Canal, no Ribatejo, a cerca de 30 kms de Santarém, cidade capital da região e onde vivo atualmente.

Como estão recordados escrevi há duas semanas, a crónica "No tempo dos pirilampos", que foi publicada no jornal Raizonline e continuo aqui a minha viagem ao passado, com este tema, que se refere aos tempos em que iniciei a minha escolaridade, até que deixei a aldeia em direção a Santarém, para "continuar os estudos".

Não havia ainda energia eléctrica na aldeia nesses anos, que tiveram lugar entre 1963 e 1969, aproximadamente. Portanto a nossa iluminação em casa, era assegurada por candeeiros a petróleo, como o da imagem que ilustra este texto. Era a esta luz fraca e bruxuleante, que se jantava, e que eu tinha que fazer os trabalhos escolares, e também estudar.

Em relação aos tempos da escola primária, não me recordo bem, mas penso que não teria necessidade de usar a luz do candeeiro, porque embora a escola ficasse na aldeia vizinha e tivesse que percorrer os cerca de três quilómetros a pé, pelo meio dos campos, com as outras crianças, chegava a casa, ainda com luz do dia, e os trabalhos não me ocupavam muito tempo, daí que não me fizesse muita diferença.

O que realmente, me marcou e não esqueço, foi a mudança da escola primária, para a escola preparatória, ou seja se fosse nestes tempos, corresponderia ao 5º e 6º ano de escolaridade. Para os poder frequentar, tinha que me deslocar diáriamente, para uma vila que ficava a cerca de 15 kms, chamada Alcanena. Tinha que sair da aldeia de autocarro, ás 7h30 da manhã, o que era complicado, naqueles tempos, pois tinha que o esperar na estrada, á saída da aldeia, e não havia paragem, nem qualquer estrutura, e ás vezes chovia, ou estava frio, ou o autocarro chegava atrasado e no inverno era ainda de noite. Eu era a única passageira, mas a minha mãe acompanhava-me na espera. Recordo no entanto alguns episódios caricatos, como o dia em que a minha mãe, adiantou o despertador uma hora por engano e estivemos uma hora á espera, com tanto frio e escuridão, que ela acendeu uma fogueira, na estrada, para nos aquecermos e alumiarmos.

Mas só havia um autocarro de manhã e outro ao fim da tarde, que no entanto não vinha até á minha aldeia, mas sim á aldeia vizinha de Amiais de Baixo, onde o meu pai trabalhava como camionista numa cerâmica. Eu tinha que esperar por ele, para virmos para casa, e nunca havia uma hora certa. Quando chegava a casa, já era sempre de noite e tinha que jantar e fazer os trabalhos de casa, á luz do candeeiro a petróleo.

Mas o que eu queria mesmo partilhar, era como começou a minha paixão pela leitura. Na escola primária, havia uma biblioteca, que se resumia a um armário envidraçado no átrio da escola, com as portas fechadas á chave, mas que tinha livros infantis com titulos apelativos. Fascinada, eu olhava para dentro dos vidros, desejando ter aqueles livros nas minhas mãos, até que pedi á professora. Ela aceitou abrir as portas de vidro e emprestar-me o livro dos meus encantos. Era o "Ladrão de Bagdad". Li e reli encantada, e outros se seguiram, mas este nunca esqueci.

No entanto quando em Alcanena, tive conhecimento por colegas, que havia uma biblioteca enorme, recheada de livros, fora da escola, a Biblioteca Calouste Gulbenkian, que estava alojada num edifício e não era itinerante, como outras nessa altura, que se deslocavam em carrinhas de terra em terra, fiquei muito feliz e acompanhada por um colega, fomos os dois á descoberta.

Qual não foi a nossa alegria, ao descobrirmos que nos emprestavam até seis livros a cada um, por um prazo de duas semanas. Nessa altura estavam na moda, os livros da escritora inglesa para a infância e juventude, Enyd Blyton e as suas coleções de livros de aventuras, dos Cinco, dos Sete, e Uma Aventura. Nesses livros como a maioria recorda, grupos de amigos e colegas, compostos de cinco, ou sete amigos, tinha aventuras em diversas situações, em que descobriam mistérios e resolviam casos intrincados.

Então cada um de nós, com os seus seis livros voltava alegremente para a escola, e ao fim de uma semana, trocávamos os livros e devorávamos os outros seis do colega, perfazendo o total de doze livros em quinze dias, a somar aos livros de estudos e aos trabalhos que tinhamos que fazer, aos serões!

Bem e no meu caso, tudo á luz do candeeiro a petróleo! Só em 1969, com o andamento do progresso, chegou a vez da minha aldeia usufruir da energia eléctrica e a escuridão da noite recamada de estrelas e pirilampos, histórias e cometas, ficar para sempre no passado e nas memórias da infância!