Torta de Batom

A vida é boa; só que a gente se esquece disso. (Sunny Lóra)
 

A vida continua sendo boa. O sol brilha todos os dias e poucos possuem tempo e sensibilidade de ver as nuvens formando figuras de animais, rostos, flores. Eu costumava “catar o céu” de minha terra nas tardes de domingo. Subia os morros à procura de araçás, mexerica e laranjas e eu aproveitava pra buscar as nuvens e trazê-las até mim.


Uma vez, não faz muito tempo, eu fui à praia e o sol estava tão infinitamente bom que eu me entreguei a um estado de entorpecimento, deixando que ele entrasse de verdade em minha pele. Quando abri os olhos, havia na minha frente uma visão tão linda de nuvens de carneirinhos que não resisti e fiz um dos poemas que guardo com muito amor – o “Nuvens de Algodão”, onde meus olhos conseguiram formar um rosto muito amado.



Fazemos parte de um grupo privilegiado e  temos uma rotina que conseguimos administrar muito bem. Podemos acordar e ler o jornal (de papel, de papel!) e depois deixar nossa marca nas redes sociais que apreciamos, cada um com seu jeitinho de ser: alguns amam a poesia , outros as fotos, o humor, a política, o futebol, a família, os animais de estimação. Cada um grita do jeito que consegue; o importante é interagir, um verbo que passou a ser muito usado. Na vida real está um pouco difícil, a cada dia, uma aproximação real com as pessoas. Os que ainda possuem o privilégio de manter o contato pessoal, aquele do abraço e tapinha nas costas, são gente digna de inveja boa pela grande maioria.

Poucas são as famílias que ainda se reúnem para a macarronada dos domingos. Mesmo nas cidades do interior os restaurantes self-service ( não sei porque não serem chamados de “Sirva-se sozinho!”) e aqueles localizados no meio do mato – visão esplêndida do verde – fazem com que o velho fogão seja um mero objeto de decoração. Minha irmã Nega tem um fogão a lenha no quintal, onde ela e os filhos construíram uma pequena cozinha aberta, parte do oásis onde mora. O café, coado no pano de flanela, ainda permanece nos cheiros inesquecíveis da grande maioria dos que vieram da roça, como eu.





No prédio onde eu trabalho tem um pequeno shopping Center, onde peças de roupas, sapatos, perfumaria, decoração e lanchonetes se misturam com dezenas de pessoas sozinhas. Impressionante como o mundo de tantos é assim. Uma tarde dessas, eu tive que ir ao cartório por três vezes. Lógico que antes de sair do escritório passei um “batomzinho” básico, uma de minhas manias, que não abro mão de jeito nenhum!

Ao sair do elevador, vi aquela senhora sentada no pequeno café. O que mais me impressionou foi que ela não se moveu do lugar no espaço de tempo que gastei entre ir e vir. Confesso que senti vontade de me aproximar dela, mas me contive. Aliás, conter as minhas atitudes tem sido uma rotina nos últimos tempos. Minha vontade é rasgar de vez os muitos papéis sem sentido, separar as roupas por cores, descartar o que não tem mais utilidade para mim, fazer um verdadeiro Feng Shui na minha vida. Como isso leva tempo, vou arrumando as coisas devagar. Cada gaveta que abro encontro um batom. Muitos deles já perderam a validade, esquecidos.




Tenho feito mudanças radicais, não por não apreciar como era “o antes”, mas descobri que sou capaz de colocar henna nas minhas sobrancelhas, que os fios brancos podem ser retocados por mim num dia mais tranqüilo. O xampu, perfume e o sabonete já foram escolhidos em definitivo. Vou morrer cheirosa! Sou capaz de pintar as minhas unhas da mão, mas como gosto de me cuidar, sempre dou uma passadinha num dos inúmeros salões de beleza do prédio para experimentar o verde, o azul, o vermelho novo dos esmaltes. Um luxo, esta vida nova de solteira.

Como todas as mulheres vaidosas e ainda com algumas marcas de beleza da juventude, minha maquilagem é suave e não requer muito tempo, mas o batom não pode faltar. Tem sempre uns quatro ou cinco na minha bolsa. E ainda estrago o danado em poucos dias, formando uma ponta fina jamais vista, que faz com que eu misture gargalhadas com vergonha, ao emprestar ou  mostrar os meus batons para as amigas, que logo associam a ponta à outra coisa!




Na verdade, o que buscamos é o novo, já que tudo que se passou não voltará. Queremos vivenciar as emoções que estão guardadas e não encontramos condições. Esta vida louca de hoje não nos deixa. O romantismo é latente pelo lado de dentro e extravasar os nossos sentimentos pode ser mal interpretado. O tanto que falo de “I Love yous” já me tirou o sono algumas vezes. Ouvir o mesmo, que é bom, só algumas vezes. E como isso marca dentro da gente!

A vida bem que poderia dar-me o prazer de retomar o amor, de batom Pink, com tudo que tenho direito. Mas o mundo não é repleto de camélias brancas, como alguém bem o disse, um dia.



Bom Batom, digo, Bom Domingo!


Setembro de 2011-09-18 
 Imagens Google

 

 
 

Sunny L (Sonia Landrith)
Enviado por Sunny L (Sonia Landrith) em 18/09/2011
Reeditado em 24/03/2012
Código do texto: T3226207