A INVASIBILIDADE SONORA

Existe forma de comunicação mais invasiva do que o som? Quem está falando é uma pessoa apaixonada por música, e consequentemente admiradora de quase toda espécie de sons (considerando aqui o princípio físico que difere sons e ruídos), encantada por esse milagre da vida.

Graças a Deus temos ouvidos e capacidade auditiva! Pelo menos grande parte de nós. E quem não tem, se pudesse, reverteria essa situação.

Mas voltando ao incômodo que me levou a escrever estas linhas... Existe forma mais invasiva de comunicação do que o som? Ora, se não quero ver alguma cena, fato ou coisa e etc, tenho, na maioria das vezes, a opção de cerrar as pálpebras e pronto. Fico lá até quando entender como necessário. Outra opção é, estando em casa, fechar-se e escolher o que assistir ou ainda, assistir nada. O cheiro e o contato físico também são invasivos em dados momentos, mas há como esquivar-se mais facilmente dessas situações, sobretudo se você está sob a proteção das paredes de seu lar.

E quanto ao som? A menos que você more num ambiente revestido de material isolante, próprio dos estúdios profissionais de gravação ou em área compartilhada, regulada por um mínimo de regras previamente acordadas, onde é possível evitar (ou reclamar sobre) a proliferação indesejada do som, (o que ainda assim não o deixaria a salvo desse incômodo por algum tempo), não há o que ser feito. Afinal, é tarde de sábado e os vizinhos – filhos de Deus – que ralaram a semana inteira no batente, precisam de diversão, lazer, entretenimento. E, em seu entendimento, esse processo é indissociável do pagode em alto volume, por exemplo. A este, acompanham geralmente as palmas, as bebedeiras e, não raro, discussões acaloradas.

Alguns dirão que a opção para esses casos é “fugir”. Para o mais longe possível. Vamos refletir então sobre esta possibilidade.

Para onde quer que você vá, pode ser que também haja sons indesejados, correto? Mas, partamos do princípio de que, neste momento você quer desfrutar do prazer (pelo menos supor a possibilidade de existência deste) de estar em sua casa, em seu lar. Nesse dia você planejou não viajar ou simplesmente recolher-se, não interagir pessoalmente com o resto do mundo. E aí constata amargamente que se trata de uma tarefa hercúlea. O que era para ser simples e prazeroso, de repente constitui-se numa saga interminável. E quando você percebe, o seu tão esperado fim de semana de clausura, recolhimento, encontro consigo mesmo (e/ou com a tão agradável companhia de outrem) e reposição de energias, escapou por entre os dedos que sequer percebeu. Não conseguiu mais do que ocupar-se da insatisfação para com o volume do pagode do vizinho e... já é segunda-feira.

Ah, não... Segunda-feira. É dia de encontro religioso na sua rua. Mais precisamente em frente ao seu prédio.

O que fazer da próxima vez? Se a festiva é sagradamente aos sábados, se domingo é dia de comemorar vitória de time ou “beber e sambar” para esquecer a derrota, se segunda é dia de louvor e se nos outros dias da semana sempre há quem esteja se preparando para o próximo “finde”, preparo este que necessariamente deve ser regado a músicas enérgicas e bastante expressivas (funk, por exemplo)... O que fazer da próxima vez?

A sabedoria popular dá duas dicas: “se não pode contra eles, alie-se a eles” e “incomodados que se mudem”. Ok. Assim que a segunda opção tornar-se viável, seguirei este conselho popular. Acreditem. Mas, lembrando que se for para trocar “seis por meia-dúzia”, melhor permanecer. E ainda, se o conflito for interno, não adianta mudar de ambiente. Sabemos.

O fato é que toda questão aqui exposta se passa com alguém que está em momento de bom equilíbrio emocional e fez a opção consciente, ainda que momentânea, de estar nesse lugar. Então, vê seu direito de privacidade e tranqüilidade invadido, expropriado, diante da constatação: “incomodados que se mudem...”

Existe forma de comunicação mais invasiva do que o som?

Maio de 2011.

Márcia Estulano
Enviado por Márcia Estulano em 18/09/2011
Código do texto: T3225939
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