NA VERDADE DE QUEM?

NA VERDADE DE QUEM?

Por Márcia Estulano

Recentemente ouvi algumas colocações sobre “a verdade”. Pessoas diferentes, situações múltiplas, mas lá estava a “pauta dos últimos dias”: a verdade. “Está aqui. Está escrito.”- Apontava um de meus interlocutores, apoiando veementemente sua mão direita sobre o livro sagrado (estarei blasfemando se não utilizar iniciais maiúsculas nesta expressão? Sei lá...).

O primeiro ímpeto foi de questionamento – reação humanamente compreensível (embora culturalmente esquecida, por muitos). Mas hesitei. Optei pela escuta “passiva” e atenta. Em algumas breves intervenções oportunizei a reflexão (que reciprocamente também me foi oferecida, sobre as “minhas” verdades).

Por que abalar a convicção alheia naquela situação? Pensei. Algumas verdades são realmente necessárias por um período da vida (ou pela vida toda, se não nos permitirmos encontrar outras). São o nosso chão.

Quando sua casa não é mais aprazível e satisfatória, e você identifica a necessidade de trocar de moradia, não flutua pelo espaço enquanto outra é encontrada, construída e etc, não é mesmo? A menos que você opte por se tornar um “morador de rua” (isso certamente lhe trará a reboque um turbilhão de necessidades, que de alguma forma precisarão ser sanadas – e ainda assim estará “morando” em algum lugar); a menos que radicalize o exemplo de “Francisco de Assis” ou algo semelhante, precisará fincar seus pés nalgum canto. Abrigar-se, recolher-se, sentir-se seguro.

Vejo as verdades desta forma.

Um conjunto de valores, idéias e opiniões é construído ao longo da nossa vida, por influência de terceiros. E de quantos terceiros, quartos, quintos e etc, hein? Tudo. Definitivamente tudo o que nos cerca, nos influi de algum modo. Ocorre que alguns materiais e adereços combinam com a nossa casa, a nossa estrutura. Outros não. Mudamos de teto e levamos muitos desses “pertences”; desfazemo-nos de outros. Mas dificilmente levamos “nada”.

Não dizem que “política, futebol e religião” são assuntos que não se discutem ? (Essa lista deveria ser maior...rs). Pois é exatamente desse tipo de discussão que estou falando. Provocar reflexões, ok. É permitir a seleção dos pertences que serão levados, caso o indivíduo decida “se mudar”. Mas, num diálogo único e eventual, abalar convicções é algo mais profundo... É sugerir que o outro jogue fora a mala inteira e siga nu, empunhando as novas roupas ofertadas, enquanto decide vestir ou não. Surreal e pretensioso, a meu ver.

Não defendo que as pessoas devam ter seus pensamentos unilateralmente “formatados”. Tampouco afirmo que toda diversidade de opiniões seja “tolerada” (no sentido de suportada tacitamente). Há ideologias que de fato oferecem perigo, se lembrarmos da sempre potencial chance de serem praticadas - sob risco de extinção da humanidade, inclusive. Apenas como exemplo deste raciocínio último, imaginem um sem-número de “homens-bomba” (que não vêem a morte como um fim, mas como uma passagem para o “além-vida”, em busca da recompensa que Alá lhes prometeu) habitando o planeta?

Para não ir muito longe, cito Nietzsche (1844-1900). Um sujeito que viveu noutro século, mas que também participou da pauta nesta semana, apresentando-me parte de sua verdade. “Eu não refuto os ideais. Eu apenas visto luvas diante deles...”, afirma em seu livro Ecce Homo.

Todavia, nas ocasiões vivenciadas por agora, decidi respeitar o chão alheio. Calcei luvas para tocar os ideais que me trouxeram. Nenhuma novidade nos discursos que ouvi, diga-se. Curioso é quando o alheio resolve exatamente o contrário. Algo do tipo “não basta acreditar, é preciso convencer o resto do mundo de que minha crença é a mais correta”. Certamente você já se deparou com posturas desse tipo. Sabe do que estou falando. E não ouse questionar o que acabei de afirmar, ok? Vai comprar briga? Brincadeirinha...rs

Se existem céu e inferno, se é possível a vida após a morte, se alma e corpo são elementos distintos (e são “elementos”?), são questões infinitas, inesgotáveis, como tantas outras, para a Humanidade. Todas com uma imensidão de respostas plausíveis... Escolha a sua e “more” em algum lugar. Mude-se quando lhe aprouver.

Nos saldos desses diálogos não houve vencedores, nem (con)vencidos. No fim das contas as respectivas ideologias permaneceram. Intactas...

Será?

17 de setembro de 2011.

Márcia Estulano
Enviado por Márcia Estulano em 18/09/2011
Código do texto: T3225923
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