O antes e o ademais
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– Vamos comprar novas alianças, amor?
– Pra você novamente jogar a sua no telhado do apartamento em frente à casa da sua mãe?
– Éramos imaturos, vida! Ademais...
– Você era! Foi você quem jogou a aliança fora. Nem a bênção que o padre deu você respeitou, homi!
– Você também deixou de usar a sua.
– A minha eu guardei, ora veja! Não sei onde, mas guardei! Ou os dois usam ou nenhum usa! Se sua mãe é besta de usar sozinha...
– Não fale mal da minha mãe! E a sua que...
– ...
– ...
(Fizemos varredura, é verdade, eu e minha querida mãe, mas não achamos a bendita aliança. Fiquei sabendo depois que minha mãe, coitada, havia feito outra busca ao lado da minha esposa. Inútil! Joguei longe demais.)
– Então, amor. Vamos comprar outras. Apesar de achar cafona, pesada e horrível, aceito que sejam alianças grossas como você sempre quis.
(Esses bambolês modelo XG suportam até descidas de rapel.)
– Vou pensar, prometo. Só me fale por que esse desejo agora, repentinamente? Você não adorava dirigir mudando a posição da sua aliança no dedo? Mudava-a de lugar e ficava com a mão sobre o volante, pegando sol, pra tirar a marquinha, hein? Pensa que esqueci! A Adriana flagrou você fazendo isso várias vezes.
– Éramos imaturos, minha flor de lis. Ademais...
– Você era! Sempre soube o que quis quando casei. Casei pra ser fiel!
(Recordar é sofrer. Elas adoram passar na cara nossos momentos de fraqueza. Fruto apenas da imaginação delas, claro.)
– Era por causa do surf, minha Minerva! Quando pegava onda a aliança me machucava. Algumas vezes eu a prendia, fechando a mão, na pontinha, quase saindo.
– Escorregava, era? A água salgada do mar em que você surfava tinha espuma de sabão, era escorregadia, seu cara-de-pau! A minha aliança também quase escorregava uma vez, enquanto eu lavava pratos. Que pena! Ela deveria ter descido, juntamente com a gordura, pelo ralo da pia.
(Um desconto para o coitado do marido, por favor! Durante a prática esportiva as alianças atrapalham mesmo! Quem nunca ficou na iminência de perder a aliança durante as peladas com os amigos? Quem? Quem é homem aí, de verdade, sabe muito bem que pelada faz qualquer aliança escorregar!)
Anos antes... Segunda-feira
– Chegando de onde?
– Da Faculdade. Aula de Cálculo Numérico. O professor é aquele chato que vivo falando pra você, já esqueceu?
– Sei. E esse cheiro? – ela quase sobe no marido pra conseguir captar o cheiro.
– É o meu cheiro. Não reconhece mais meu cheiro? – o marido responde, não sem antes recuar, à lutador de esgrima (profissional, ressalte-se), fugindo do golpe fatal.
Dois dias depois... Quarta-feira
– Estou indo pra Faculdade, tá!
– Hoje vou com você!
– Por que e pra quê?
– Deu vontade. Você não anotou o conteúdo da aula da segunda e... Sei lá, quero ir!
– Como não copiei? Está na matéria de Cálculo...
– Faço questão de ir, amor! Você deixa, não deixa?
Na sala de aula, dando uma de novata – pra falar a verdade turista – a esposa exagera:
– Ei, você tem a matéria da aula de segunda? Perdi a aula e queria copiar.
– Você perdeu todas as aulas, isso sim! – responde o Rodrigo, inocentemente.
Ela confere o conteúdo e...
– Interessante. No seu caderno não tem isso aqui.
– Claro que tem! Você rasgou, só pode!
O marido abre o caderno. Vasculha todas as páginas, mas a aula da segunda está sem registro.
(Bate aquele desespero dos cinco minutos finais quando o nosso time do coração está perdendo e precisa pelo menos empatar. Como marido fiel nunca desiste, ele procura nas outras disciplinas e... E está lá!)
– Aqui, confira! É ou não é a matéria da segunda?
– Por que colocou junto ao conteúdo de Resistência dos Materiais?
(O importante era estar lá! E a persistência é a salvação de todo pecador!)
– Sei lá. Pode ser pelo cansaço. Trabalhar e estudar não é moleza, querida!
– Sei. Você deu sorte.
(Que mancada, rapaz! Trocar os tópicos logo no dia da visita da auditoria! Faça mais isso não...)
(Anos depois – intermediário entre os dois períodos já relatados.)
Oh meu Deus! Chegar a casa sem aliança de novo! Que que eu falo agora? Já que estou ferrado mesmo que se dane o mundo! Vou chegar. Entrar. Deitar e dormir... E sonhar – isso se ela não me encher a paciência a noite inteira com as mesmas perguntas: “Onde você estava?” “Com quem estava?” “Que cheiro é esse?” “Quem é?”...
O marido chega. Entra. Sonda o ambiente. Silêncio sepulcral. Forra o bucho – feijoada fria pra quem tem fome é uma delícia! Feijoada fria com ovo. Toma banho. Deita. Dorme. (Só não sabe ao certo se sonhou ou teve pesadelos). No dia seguinte:
– Bom dia, amor! (O marido)
– Bom dia. (A esposa)
O silêncio incomoda. Ele tenta esconder o dedo desanelado e, na tentativa de observar a aliança da esposa para comprar outra semelhante, a surpresa: WITHOUT aliança!
– Onde está sua aliança, mulher?
– Faz muito tempo que não a uso mais! Nunca percebeu?
(Ela aceitou as novas alianças, mas quem adorou foi o Seu Marinho, o velho fofoqueiro dono da relojoaria).
Crato-CE, 17 de setembro de 2011.
02h33min