Tirando o atraso
Penso que todo atraso tem um significado oculto. Quando a menstruação não vem, sai de baixo, sabemos que o atraso poderá significar muita dor e trabalho, principalmente o trabalho de parto, com ou sem dor. Poderá significar também uma nova vida, a chegada de alguém a esse mundo louco, alguém que poderá ser muito importante, um novo Mozart, um novo Einstein, um novo Pelé, ou apenas um Zé Ninguém sem nada de genial, o que é melhor do que ser um novo Fernandinho Beira-mar.
A notoriedade pode, em algumas condições, ser uma desvantagem diante da adversidade do mundo. Pode despertar a inveja e o mau olhado, pode atrair marginais para um seqüestro relâmpago, com direito a raios, trovões e chuva de granizo. Eis, pois, que ser invisível pode ser uma grande vantagem. Passar pelo mundo como um Zé Ninguém, quem sabe a felicidade não more com os bilhões de Zés Ninguém que habitam o mundo. Eles são os felizes, eu sou o ser feliz, não porque seja poderoso, um grande consumidor das quinquilharias e espetáculos diversionistas que existem, mas apenas ser, sentir, sofrer as agruras da vida. E também as venturas, os namoros, os nascimentos, os natais no ramerrão que parece sem fim, enquanto o fim não chega.
Dizem que o sexo é o esporte dos pobres, dos Zé Ninguém. E, se existe atraso, é exatamente nesta área. Mandaram-me um e-mail com um endereço de um site de sacanagem. Um amigo retornou das férias serelepe e encontro em meio a centenas de outras, a sua mensagem: “voltei, aqui é o meu lugar”. Poderia ser, também; “boêmia, aqui me tens de regresso...” Fui lá conferir e o que vejo. Fotos de sacanagem inimagináveis, vídeos de louras se excitando mutuamente...
Mas, espera aí, inimagináveis, como? Quando era adolescente vi todas as fotos do mundo, então qual é a grande novidade? Será que a minha memória de fatos remotos desapareceu?
Fico me perguntando se os modelos dessas fotos de sacanagem estão realmente se divertindo, ou encaram aquilo como trabalho, esperando, impacientes pelo fim do expediente. De qualquer forma, parecem estar se divertindo. Aí, meu Deus, todo mundo parece estar se divertindo menos eu... Como têm prazer, esses miseráveis!... E eu aqui super no atraso, atraso amplo, geral e irrestrito. Atraso em tudo. Não me divirto, não vou à “night”, não vou ao teatro, cinema é cada vez mais raro. Viagens? De jeito nenhum. Sexo raro, raríssimo. Minha vida é trabalhar, incessantemente, inclementemente, imperiosamente. Não que goste, preciso.
Mas, se não se pode praticar todas aquelas diversões caras e que demandam tempo ocioso, tais como viagens e etc, o sexo, pelo menos é grátis, isto é, pode ser gratuito. É o lazer dos pobres, é o que dizem. Mas será que eles, os pobres, vêem um grande prazer nisso? E aquela história do “função do orgasmo”, das couraças musculares que o Wilhelm Reich abordou? Os pobres costumam ser muito reprimidos em todos os aspectos, especialmente em matéria de sexo.
E, além de tudo, porque será que tendemos a considerar algumas “contrações espasmódicas do assoalho pélvico” como a melhor coisa que existe no mundo? Não sei não, mas deve existir coisa melhor, tem que existir!
Estou, nesse fim de ano, disposto a acabar com os atrasos. É a minha decisão para o ano novo. E o primeiro atraso de todos, depois de beber a garrafa de champanhe, vai ser o grito. Estarei aberto a tudo o que existe, a tudo o que vier. Mas, especialmente, gritarei muito forte, para que todos ouçam: políticos safardanas tratem de trabalhar e tirem a mão da nossa grana