Lar Sem Face
Lá estava eu.
Na cozinha do apartamento.
Mas que era aquele apartamento? Quem era o dono daquele lugar? E que fazia eu, segurando aquela faca e aquela fatia de pizza?
A janela, com moldura feita em alumínio, estava totalmente aberta, sem cortinas nem para que pudessem voar e demonstrar o quanto ventava.
E ventava muito.
Era noite, e podia-se ver algumas janelas de apartamentos vizinhos a partir da cozinha.
As paredes eram cobertas por azulejos brancos. O chão, pisos brancos. Tudo tão branco. Mas os armários com detalhes em mármore. A cozinha não era muito grande, era só o necessário. Muitas gavetas vazias, prateleiras vazias, cantos vazios.
Deixei delicadamente a faca e a pizza para olhar atenciosamente para os outros cômodos, à minha direita.
Uma mesa grande, com alguns plásticos jogados em cima, numa suposta sala de jantar.
Luzes apagadas.
Na saída da cozinha, entrando na sala de jantar, à minha esquerda havia um corredor, duas ou três portas haviam, uma no fim, aberta; à minha direita, uma coluna de um arco que cruzava a sala de jantar e delimitava a sala de estar.
Sala de estar essa vazia.
Pisos de madeira.
Janela em frente à cabeceira da mesa.
Da porta aberta saía luz. Um quarto.
Havia movimentação ali. Um movimento frenético. De quem procura alguma coisa, talvez? Não. Não estava procurando. Arrumando? Isso. Arrumando, procurando, arrumando. Incansavelmente.
Chamou por meu nome. Uma voz doce. Tão doce. Não me contive e respondi com delicadeza que deixara a comida na cozinha e a bebida na geladeira (apesar de não saber que realmente tinha feito isso).
Me dirigi com passos assustados em meio à sala de estar.
Um. Toc. Dois. Toc. Três. A sala estava tão vazia... Toc. Quatro. Alguma caixas no canto, perto da lareira, estava de mudança? Toc. Cinco. Alcancei uma espécie de grande varanda. De azulejos rústicos, acinzentados, com uma cerca de metal. Era um tanto grande. Apoiei os cotovelos em cima da grade/cerca. Admirei a imensa cidade, toda acesa na escuridão da noite.
O vento era magnífico. Gelado, calmo e amedrontado.
Ouço passos.
Ela se dirige a mim.
Percebo então que estive segurando uma taça, com algum tipo de refrigerante (não tomo álcool), durante todo esse tempo.
No reflexo do vidro, vejo um vestido. Um lindo vestido.
Com o líquido do copo não sei definir a cor dele. Talvez seja preto. Talvez vermelho. Escarlate, talvez? Outrora pensei ver verde.
Mas era só o vestido e os sapatos. Bem vestida. Não avistei o rosto.
Eu não estava vestido para ocasião menor, tenha certeza.
O corpo era perfeito. Perfeito da maneira da passava a mão pelos meus ombros, e se apoiava em mim.
Não olhei em sua face.
Um cheiro...
Talvez eu estava sentindo o cheiro dela.
Mas o vento não permitia!
Era aquilo perfume ou o cheiro dela? Quem era ela?
Me beijou no rosto e voltou para dentro com um pequeno sorriso.
Maldito vento! Úmido e enganador. Falso. Terrível. Onde era ali?
Quem estava comigo?
A taça caiu de minhas mãos.
Como estava alto! Pelo menos dez andares!
Nunca tive vertigem, mas me assustei ao imaginar o barulho do vidro quebrando à beira da piscina, lá em baixo...
Como eu sabia que havia uma piscina? Ou um mar em menos de três quilômetros?
Me atirei para dentro. Escutei a voz doce me perguntar se estava bem. Não pude responder. Havia caído no chão, com as duas mãos para trás.
ÁGUA! VENTO!
Tudo o que era natural invadiu insanamente o apartamento pela sacada.
A maresia, o ar úmido, a ventania... Começaram a se condensar.
Quase pude sentir uma enorme onda acertar meu rosto.
Ela correu em minha direção.
O vento me acertou como uma porrada.
Ela se ajoelhou rapidamente.
Eu acordei.