Estamos perdendo a humanidade
Quando defendo com unhas e dentes o Brasil é porque minha intuição vem me dizendo, há muito tempo, que o progresso material que todos anseiam, e bem representado pelo chamado “primeiro mundo”, está aceleradamente perdendo o que tão bem conhecemos e chamamos de afeto.
É por isso que na crônica, mais ou menos recente, “O Rio de Janeiro de todos nós”, terminei dizendo que o mundo só vai melhorar quando ele se “abrasileirar”. Dito assim, de modo direto, com certo descaramento, parece uma heresia, ou patriotada boba. Mas não é.
Hoje, tenho a imensa alegria de ver que não ando tão errado, ao saber que nossa grande escritora Ana Maria Machado, afirmou, na semana literária de Curitiba, ser a literatura uma espécie de cola.
Ora, apesar da grande diversidade de opiniões, gostos, maneiras de ver, maneiras de existir, nós aqui do Recanto das Letras não fazemos outra coisa senão cada vez mais nos colarmos, nos aproximarmos do outro, que pode ser igual a nós, ou bem diferente, não importa. Mas este ímpeto de querermos conhecer o outro é enorme.
Há cerca de um mês, uma amiga recantista me escreveu para dizer que se sente cada vez mais apegada aos inúmeros colegas com quem tem se relacionado. Ela não sabia que era essa cola que a escritora lembrou de maneira magistral.
Também venho dizendo e me repetindo que o mundo está cada vez mais frio de sentimentos, e quanto mais uma sociedade cresce materialmente, apenas vendo o jogo de interesses, desaparece a afeição. Neste ponto, sinto, realmente, muito medo do nosso Brasil, ainda tão jovem e incipiente em todos os sentidos, sinto medo que ele vá copiar este mundo moderno. E me parece inevitável.
Esta a analogia que faço com a frase da Ana Maria. O Brasil sentimental ainda tem muita cola para unir as pessoas. O recanto das letras, que nos une pela literatura, é uma prova clara do que estou tentando dizer. Aqui existimos com mais humanidade.
Não foi à toa que em boa hora um colega nosso criou o “Reino Encantado de Gorobixaba”. Talvez sem saber, ou até sabendo muito bem, criou este Reino para segurar por mais um tempo esta humanidade que está escapando de nossas mãos...
Também não é por acaso que saiam textos poéticos maravilhosos exaltando o amor. Estes poetas e poetisas, posso afirmar, sentem, inconscientemente, esta frouxidão dos bons sentimentos e procuram com seus poemas nos prender, nos colar, para que não sucumbamos a este terrível mundo frio que cada vez mais nos ameaça.
Enquanto isso, mesmo que desencontros surjam, não abro mão das amizades que venho fazendo por aqui, procurando manter minha humanidade e tendo ainda uma boa reserva de cola das boas.