Graduados óculos ocultos

Itamaury Teles (*)

Depois de eu haver revelado o sumiço do meu chapéu Panamá e, a seguir, dos meus óculos de grau, recebi um sem-número de correspondências e de abordagens pessoais, por onde eu andava em Montes Claros. O tema era um só: havia preocupação dos leitores quanto à minha sanidade mental. Pressentiram, nas entrelinhas do meu texto, que eu andava esquecido demais, talvez com sintomas de Alzheimer. As minhas memórias de curto prazo não eram senão vagas lembranças para esses leitores…

Não estão de todo desarrazoados, pois sou um quase sexagenário. Mas, a bem da verdade, em nenhuma das duas situações a culpa pode ser atribuída a mim. Eu não perdi coisa alguma. Tanto o chapéu Panamá, como meus óculos de grau, foram guardados – certamente com boas intenções – pela secretária doméstica que me visita sempre que o pó sobre a minha mesa de trabalho torna-se perceptível a olhares mais atentos. Os meus nunca veem poeira alguma “on the table”, apenas objetos mais graúdos, como pilhas de livros, jornais, bonés, chapéus, câmeras fotográficas e estojos de óculos.

Talvez seja efeito da inversão ocorrida em minhas vistas, de certo tempo para cá, que reduziu os graus da minha miopia e aumentou os da presbiopia, deixando-me necessitado de óculos para a leitura noturna de letras miúdas – e para ver partículas de poeira que se acumulam. “Síndrome de Benjamin Forton”, segundo a verve de João Eduardo Moreira Bastos, meu oftalmologista e fraterno amigo…

A história do reencontro do chapéu já foi contada. A propósito, a professora Lygia Braga, da Academia Feminina de Letras de Montes Claros, encaminhou-me mensagem a respeito da crônica “Encontrei meu Panamá”, cujo texto a fez lembrar-se de outros cronistas da sua juventude: Paulo Mendes Campos, Rubem Braga, Carlinhos de Oliveira e Fernando Sabino, que sabiam fazer de um pequeno fato do cotidiano uma bela crônica. Fiquei lisonjeado com essas comparações, evidentemente.

Houve quem visse nos sumiços desses objetos de uso personalíssimo uma boa estratégia para a elaboração dos meus textos. Como o professor e jornalista Marcelo Valmor Ferreira, que disse aguardar, agora, o relato do desaparecimento dos meus óculos, alfim reencontrados.

Queria até esquecer essa história, mas a jornalista Sibely Vieira, uma porteirinhense em terras de Tio Sam, insiste para que eu a conte. Disse estar curiosa para saber como se deu o reencontro dos óculos desaparecidos com meus olhos míopes…

Depois de muito titubear – não sei se conto? -, resolvi atender aos leitores, para pôr um desenlace nessa história dos óculos. Afinal, para que falei deles?

O fato é que eu tinha absoluta certeza de que os colocara – como sempre o faço – sobre a mesa onde digito essas mal traçadas linhas, numa noite de sexta-feira, quando em casa cheguei vindo das Festas de Agosto. No sábado, pela manhã, a secretária veio fazer a limpeza na minha modesta morada. Deixei-a a sós e desci – de chapéu Panamá e de óculos Ray-Ban – para o meu tradicional périplo sabatino: Café Galo, Skema e Kentura Kente.

Retornando, mais tarde, necessitei dos meus óculos para ir de carro à padaria e não mais os encontrei sobre a mesa. Liguei para a secretária para saber onde os colocara e ela disse ter guardado todos os óculos em seus respectivos estojos. Abri todos eles – menos o invólucro especial dos óculos Ray-Ban, justamente porque eu os usava -, e nada encontrei…

Nesse ínterim, choviam sucessivas sugestões para que eu me apegasse novamente ao Joaquim Nagô, além de estranhas suspeitas de abduções dos meus óculos por ETs, duendes e outros seres elementares…

Eu continuava intrigado com aquele fato. Quem mais haveria entrado em minha casa? Alguém estaria brincando comigo de esconde-esconde? Seria mais uma manifestação do mítico Romãozinho? E, nesse clima, enquanto atualizava o blog minaslivre.com, dou uma olhada para o estojo dos meus óculos Ray-Ban, que estava bem ao lado do notebook, e o pego e o abro, instintivamente. Lá dentro, repousando meio enjambrado naquele enorme recipiente, os meus óculos de grau, sem aros…

(*) Escritor e jornalista

E-mail: itamaury@hotmail.com

Itamaury Teles
Enviado por Itamaury Teles em 17/09/2011
Código do texto: T3224448
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