Quem foi Joaquim Nagô?
Itamaury Teles (*)
Um assunto puxa outro. Andei a procura do meu chapéu Panamá, inclusive por meio de crônica no jornal e na internet. Leitores sugeriram que me apegasse a São Longuinho – dando três pulinhos – que eu o encontraria. Todavia, preferi mesmo foi invocar o Joaquim Nagô, conhecidíssimo em Montes Claros, onde inaugurara o cadafalso, na antiga Rua da Forca.
Fiz apenas pedido mental, sem balbuciar coisa alguma. Sem rezas ou velas acesas, por não me ser agradável o cheiro de parafina queimada...
Acredite quem quiser, mas o meu chapéu foi reencontrado no dia seguinte. Atribuí o achado ao Joaquim Nagô, em nova crônica. Mas ficou no ar a curiosidade popular sobre quem fora ele, principalmente entre os não nascidos em Montes Claros.
Joaquim Nagô – ou Joaquim Africano – era um jovem escravo, natural de Nagô, na África, que fora condenado à morte por um crime que não cometera.
Ele foi acusado de haver assassinado, a 22 de abril de 1835, Joaquim Antunes Ferreira (ou d’Oliveira), em São José do Gorutuba. A acusação baseou-se estritamente em provas testemunhais, “por ouvir dizer”. Ao longo do processo, praticamente fora seu único defensor, negando a autoria do crime. O julgamento, por júri popular, o condenou à “pena de morte natural por enforcamento”, o que foi confirmado pelo Regente, em nome do Imperador. Em 26 de março de 1836, ordenou a execução do réu “com as solenidades de estilo”.
Em patíbulo montado nas cercanias do atual Café Galo, seu enforcamento não foi fácil. A corda se partira duas vezes. A sentença de morte só foi cumprida pelo carrasco depois de utilizado forte laço de couro ensebado, que buscara em sua casa.
Embora os assistentes pedissem clemência para o réu, o escravo Joaquim jazeu dependurado pelo pescoço. Isso aconteceu em 30 de maio de 1836...
Muitos anos depois, em Diamantina, um tropeiro agonizante confessa a autoria do crime atribuído a Joaquim Nagô: a morte de Joaquim Antunes, na vila de São José do Gorutuba (atual distrito de Porteirinha).
Para o historiador Hermes de Paula, em seu livro “Montes Claros: sua história, sua gente, seus costumes”, Joaquim Nagô “não chega a ser um santo completo com poderes de realizar milagres, atos sobrenaturais. Contudo, sua alma se purificou, tornou-se acessível, capaz de ouvir e atender às donas de casa em pequenas aflições, como achar uma agulha ou tesoura perdida, abrandar tempestades, chegando às vezes a intervir em acontecimentos graves, sempre ligados à esfera doméstica. Com uma auréola de semi-santidade e protetor dos aflitos, é conhecido e respeitado; há casa onde a sua devoção chega às raias da impertinência – dez vezes por dia “pegam” com a alma de Joaquim Nagô, quase sem motivo – acostumaram-se a lhe dar serviço.”
Agora, Virgínia de Paula, filha do historiador, pesquisa para saber onde Joaquim Nagô fora sepultado. Segundo já apurou, teria sido em antigo cemitério no bairro Delfino Magalhães, muito longe do centro da então Vila de Montes Claros de Formigas, no entorno da Praça da Matriz.
Todavia, sabe-se que havia cemitério mais próximo, na Malhada das Almas, onde a Catedral de Nossa Senhora Aparecida foi erguida, no início do século passado. Acho mais plausível tenha sido ali a última morada do semissanto Joaquim Nagô, devoto ainda hoje de muitos montes-clarenses...
(*) Escritor e jornalista. Membro da Academia Montes-clarense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Montes Claros.