Na porta do Hospício

     Que mania estranha essa minha de comentar o que os outros escrevem? Mas, posso eu fazer o quê, se me falta inspiração para deitar no papel algo que seja exclusivamente meu?
     Foi-se o tempo em que, por exemplo, coisas como as flores que caíam do meu flamboyan ou uma estrela cadente que cortava o céu, me punham, inapelavelmente, diante do teclado de minha velha Olivetti, sobre a qual já escrevi, morrendo de saudades dela...
     Na minha última crônica, falei sobre o livro Guia Pliticamente Incorreto da História do Brasil, do jornalista Leandro Narloch.
     Os que a leram, gostaram, assim me pareceu. 
     De alguns, até arranquei lisonjeiros elogios, que só me encharcaram da mais pura e santa vaidade.
     Em nenhum desses elogios vislumbrei a vontade ou a intenção do leitor de, apenas, aromatizar meus rabiscos. No que, de pronto,  senti-me estimulado a prosseguir fazendo apreciações sobre o que os outros me contam, seja num conto, seja numa crônica.
     É aquela velha história: quem não tem cachorro, caça com gato.
     Tenho, agora, na cabeceira de minha cama, as melhores crônicas de Raul Pompeia, escritor brilhante do século 19. 
     Raul d´Ávila Pompeia nascido no dia 12 de abril de 1863, em Angra dos Reis, morrendo no dia de Natal de 1889, na cidade do Rio de Janeiro.
     É mais uma publicação da Global Editora, a exemplo do que fizera com os escritos de uma dezena de bons cronistas, tirando-os de um injustificável esquecimento.
     Falarei depois sobre uma dessas crônicas do Raul, selecionadas por Cláudio Murilo Leal.
     Antes, quero revelar por que, a partir dela - publicada no Diário de Minas de 19 de maio de 1889 -, resolvi rabiscar este texto.
     Levou-me ao computador, a reportagem feita por uma televisão de Salvador mostrando, sem censura, a realidade horripilante dos hospitais públicos da capital baiana. 
     Creiam, é de fazer dó. 
     Como, alías, estão os hospitais do Governo, do Aiapoque ao Chui.
     E a culpa pelo descalabro não será de ninguém mais do que das "otoridades" incumbidas de administrá-los, e já se diz isso há séculos.
     Ah, mais falta dinheiro. Falta porque a grana que lhes seria destinada financia a gandaia dos políticos desonestos e a orgia dos poderosos desta nação, e quem não sabe disso.
     Feito este ligeiro desabafo, a crônica do Raul Pompeia.
     Conta o autor de O Ateneu, que num domingo, abriu-se, para a visitação pública, o Hospício Pedro II, o primeiro hospital psiquiátrico do Brasil e da América do Sul, inaugurado, no Rio de Janeiro, em 1852.
     Passando pela porta do manicômio, o Conselheiro Ferreira Viana foi interpelado por um dos recolhidos do famoso hospital, travando-se entre os dois este diálogo:
    " - Poder-me-á dizer, o Sr., quantas pessoas de juízo conta a capital?
     - É difícil computar assim de improviso a proporção...
     - Cento e sessenta e nove, disse o recolhido. São as que moram nessa casa...
     - Cento e sessenta e nove, repetiu o Conselheiro, disfarçando a surpresa...Mas as mulheres?... Exclui?...
     - As mulheres são doudas aqui e lá fora!"

     Um papo, pois, entre um louco e uma autoridade do Império. Ferreira Viana, naquela ocasião, era Conselheiro mor do Imperador.
     Menos com relação às mulheres, que em nenhum momento as acho "doudas", dou aos e-leitores a oportunidade de, sobre o diálogo narrado por Raul Pompeia, refletirem e tirarem suas conclusões. 
     Eu, cá, tenho a minha...

      

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 16/09/2011
Reeditado em 17/09/2011
Código do texto: T3223961