A nossa voz na Eternidade…- ou uma espécie de declaração de amor...-

A nossa voz na Eternidade…

Houve um dia em que por fim comecei a envelhecer…por fim dei comigo a aceitar o tempo…No dia em que me apercebi não estar vivo quando chegarmos a Marte, ou pelo menos estar demasiado velho para assistir ao maravilhoso que se seguiria a Marte…Desde garoto que os filmes da ida à Lua faziam parte tanto do meu imaginário como das minhas preferências, de tal ordem que quando estreavam filmes novos, os meus interesses incidiam de imediato naqueles que contavam histórias das odisseias espaciais, ou aquelas que iríamos ter…O tempo passou, eu cresci, ganhei outros interesses, mas o gosto por esse tipo de filmes manteve-se intacto, o que era por vezes problemático quando alguma namorada queria ir ver a última comédia romântica que tinha acabado de estrear, ao passo que eu queria ir ver o que já adivinham…mas acabava por ceder a ela, e enquanto ela se deliciava com esse filme, eu com ela, mas a minha cabeça estava na sala ao lado, onde estava esse filme sobre o espaço…E a par com o interesse, fiquei apaixonado pelo próximo passo sério, a ida a Marte…Mas nasci e cresci numa época em que as prioridades da humanidade eram outras, e por isso a aventura do cosmos ou se limitava a tímidas sondas, a potentes telescópios ou a filmes sobre o que iríamos fazer a seguir…de tempos a tempos anunciava-se um plano para ir a Marte, mas de tempos a tempos mais frequentes se anunciava o adiar desses planos…O sonho de ser jovem e de assistir a essa aventura foi-se esvanecendo, pois sonhava em ter a idade que os meus pais tinham quando a Lua ficou mais perto, sonhava em ter o seu entusiasmo ingénuo de ver mais uma fronteira cair e a seguir a ela outra, e de estarmos vivos para presenciar tal…E foi então que o sonho acabou…numa idade mais madura e após ter ouvido o anunciar por mais 30 anos da ida a Marte apercebi-me da minha mortalidade, apercebi-me que estaria ou demasiado velho, ou não estaria de todo por cá quando chegássemos a Marte…e foi então que comecei a envelhecer, de pouco me servindo frases paliativas como “O homem que irá a Marte já nasceu” ou “ os nossos filhos ou parentes mais jovens assistirão a tal”…perdoem-me o egoísmo, mas gostava de ser Eu e não Eles…

E foi assim que me tornei um velho, e que comecei a reflectir sobre coisas que se calhar deveria ter reflectido uns anos antes…dei comigo a filosofar sobre coisa nenhuma, como por exemplo a precariedade da vida, a precariedade de tudo isto, o quanto é vão tudo isto, a inutilidade de tudo isto, das guerras, das lutas, do empenho, da perseverança…porque o homem está e estará no universo uma mera fracção da duração deste, porque será apenas uma entre milhares, ou se calhar milhões de espécies que estão espalhadas por milhões de galáxias…

Mas parei às tantas este tipo de filosofia mais…destrutiva…e parei de envelhecer…

A seguir a Marte virá outra fronteira, e depois outra, e mais outra, e por muito que dure a humanidade, ela vai-se extinguir como tudo se extingue no universo, e esse sentimento de não assistir à chegada a mais uma fronteira existiria sempre, independentemente do tempo em que nascesse, porque pura e simplesmente o Universo é demasiado vasto para ser totalmente alcançado e apreendido pelo conhecimento humano…

Sim…estamos cá pouco tempo, a espécie estará cá pouco tempo, mas o tempo que estaremos que o dediquemos a algo de útil, a algo de bom, a algo que nos orgulhemos que se recordem de nós, a algo que eleve esta espécie humana ao patamar de quem deve, merece ser recordado…Tentemos pois elevar a nossa existência com algo de belo, façamos mais poesia do que armas, façamos mais amor do que alimentar ódios, façamos mais bem do que mal, sejamos mais solidários do que egoístas, pintemos mais quadros do que murais, façamos mais música e carreguemos menos na buzina dos carros em sinal de protesto, amemos mais e pensemos em mais formas de ampliar esse amor, façamo-nos amar e seremos amados, façamos por sermos felizes e seremos nem que seja pelo esforço de o tentar, mesmo quando o céu está cheio de nuvens, porque há sempre um raio de sol que fura a cortina de nuvens…Sejamos ingénuos e menos cínicos, porque prefiro ser ingénuo e acreditar em mil mentiras, do que ser lúcido e me tornar um cínico que envelhece prematuramente pelas amarguras em que nos deixamos arrastar, sonhemos em vez de dizer aos nossos filhos que tal é um disparate, incentivamos esse sonho, façamos que eles sonhem mais, e sobretudo temos que dar sonoras gargalhadas, porque o riso é a coisa mais humana que há, e duvido que mais raça alguma no universo tenha o riso como sua marca de espécie…Prefiro ser recordado como um homem que ria demasiado do que como um homem que estava sempre a chorar…

Não sei se sabem, mas as ondas de rádio que emitimos desde o século XIX viajam pelo espaço e lá estarão muito depois de qualquer vestígio humano se apagar, essas ondas lá estarão até ao fim dos tempos, até ao fim do Universo…e entre tantos sons humanos preferiam que outros seres captassem, muito depois da nossa extinção como marca humana o troar de um canhão, um grito de dor ou uma…gargalhada…?

A minha resposta é evidente…e enquanto o mundo mergulha em mais uma crise economia e social, eu estou a par de tudo, mas…vou ali, olhar o céu, esquecer tudo por instantes, vou olhar para o céu das estrelas deste fim de verão, vou sonhar, e enquanto olho para essas estrelas que nunca irei alcançar, vou dar uma ruidosa e bem disposta…gargalhada…a nossa voz, o nosso eco na Eternidade…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 16/09/2011
Código do texto: T3223616
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