A TV Esquarteja Mentes

Recentemente, tive o prazer e a honra de ler Vigiar e Punir, obra de um filósofo que possivelmente modificou minha forma de pensar a respeito de uma série de questões, Michel Foucault. Levou-me à indagação de coisas antes imaginadas de maneira mais errada que agora. Mas o que será tratada aqui é a atitude do público setecentista a respeito de um relato, contido no Vigiar e Punir.

No ano de 1757, o cidadão François Damiens tentou contra a vida do rei Luís XV com uma faca. Por isso foi levado nu em uma carroça, carregando uma tocha de cera acesa, em seguida, colocado sobre uma espécie de forca, foi duramente “judiado” nos mamilos, braços, coxas e barriga das pernas, recebendo posteriormente chumbo derretido, óleo fervente e piche nas feridas antes de ser covardemente desmembrado por quatro cavalos.

Um desumano espetáculo dos horrores assistido por uma plateia ávida de uma pretensa justiça. Ou seja, isso tudo foi feito em praça pública, com uma multidão aplaudindo o ato como se ali houvesse uma comédia ou circo. Este texto não vislumbra discutir a questão da aplicação de penas, não defende a proteção nem tampouco a tortura de delinquentes. Intriga o interesse do ser humano em assistir a tudo isto. E não me venham com o papo de que naquela época as cabeças eram diferentes que hoje ocorre coisa parecida sim.

Nosso primitivo (será?) instinto sádico é fomentado diariamente na TV. Um Datena da vida nada mais seria que uma daquelas crianças agitadora de brigas, colocando sua mãozinha entre os oponentes e mandando-os cuspir. Ao retirar a mão, a saliva atinge um dos brigões, iniciando o espetáculo da violência. Basta um assassinato de repercussão, um desastre ocorrer que já vamos cheirar à TV em busca de culpados sobre quem possamos atirar livremente nossas pedras inquisitivas e satisfazer nosso instinto de justiça. Não são as emissoras as culpadas pelo show de horrores de nossa programação. Somos nós. Sem audiência, sem demanda, não haveria interesse comercial em se enfatizar perseguições policiais, brigas, assassinatos, sequestros, etc.

Nós é que não podemos nos inteirar de um crime para logo gritarmos em bom tom que o bandido seja morto, enforcado, queimado, afogado, para que assista a um jogo inteiro da seleção ou que gargalhe à força com o Zorra Total. Desejamos ao “suspeito” todo tipo de atrocidade porque nos achamos a própria lei e a própria justiça. A não ser que o suposto réu seja nosso amigo ou parente. Nesse caso, tudo que queremos é um bom advogado pra retirar o coitado das grades.

Não estou levantando nenhuma bandeira religiosa nem pacifista, embora não as rejeite, mas há de ser questionada a todo o momento nossa programação televisiva. Para nós é feita a grade de uma emissora. Só porque há gente ávida por sangue que nossos jornais estão cada vez mais próximos do espetáculo primitivo do esquartejamento e mais distantes da informação e da crítica, tão necessárias à formação de um cidadão.

Giu Santos
Enviado por Giu Santos em 16/09/2011
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