MENINA ARTEIRA

Houve uma época em minha tenra vida, que minha família passou a morar num hotel. Não sei o porquê disso. Precisaria perguntar à minha irmã se ela se lembra dos detalhes, pois é mais velha que eu três anos. Eu deveria ter uns cinco ou seis anos.

Lembro-me que freqüentávamos o Palácio do Bispo, onde minha mãe estava fazendo cortinados para o Bispo Dom Luiz. Ela era muito prestimosa em costuras e bordados. Até hoje tenho coisas que ela fez.

Em que papai trabalhava, eu não sei.

Desse período, guardo duas lembranças, uma trágica para mim, outra até engraçada!

Primeiro contarei da trágica. Não se preocupem, ninguém morreu!

Como eu era pequenina, ia com Mamãe ao Palácio. Era uma construção muito grande, térrea, ocupando uma extensão enorme no sentido da largura. Depois, do lado de dentro dessa construção, havia uma varanda que também se estendia do começo ao fim desse prédio bonito. E aí começava o maravilhoso jardim!

Havia um colégio também nessa área, dando para fora do terreno. Não víamos, porém, ninguém pois era separado do Palácio. Em um dos lados dessa varanda imensa, tinha várias portas, comumente fechadas. Eu tinha liberdade de correr pelo jardim, ir e vir pelas dependências que estivessem abertas, mas... Não deveria abrir portas! Naturalmente, eu deveria saber disso, mas não agüentava de curiosidade em saber o que haveria por trás daquelas duas portas que davam para o jardim!

Fui à cozinha: todos trabalhando. Mamãe? Estava em uma das salas ocupada em montar as argolas da cortina no varão, para depois colocá-lo na janela. Pelo que vi em cima da mesa e pela quantidade de janelas daquele salão, tão cedo ela não sairia dali!

Caminhei devagar até uma das portas misteriosas e abri. As três paredes que eu via a partir da porta, estavam cobertas de prateleiras cheias, abarrotadas de livros! Fiquei encantada! Com certeza era a biblioteca do Bispo ou do colégio. Já naquela época, eu gostava demais dos livrinhos de histórias que meu pai sempre me dava. Olhei extasiada! Ah! Se eu pudesse pegar algum! Saí de mansinho, fechei a porta! Livros me encantavam, mas não eram novidade para mim. A não ser pela quantidade deles!

Dirigi-me à outra porta. Abri de mansinho. A sala estava mais escura que a outra e fui entrando mais para conseguir enxergar direito aquilo que eu somente vislumbrava. Eram armários com portas de vidro, cheios de frascos, caixas e outras peças desconhecidas pra mim... Caminhei mais um pouco.

De repente, olhei para cima e vi uma enorme cabeça de onça na parede! Tinha os olhos arregalados e a boca aberta mostrando as presas enormes! Para mim foi uma visão assustadora! O susto foi enorme! Dei uns passos para trás no intuito de fugir e vi de relance um esqueleto humano, em pé, pendurado num suporte! Recuei apavorada e esbarrei em outro armário cheio de... Caveiras! Corri em direção à porta e, esbarrando nela, ela se fechou antes que eu pudesse sair!

Imaginem o tanto que eu gritei e chamei minha mãe! Chorava e chorava e no pavor que de mim tomou conta, nem percebia que simplesmente deveria chegar à porta, abri-la e sair!

Nisso, para alívio meu, a porta se abriu e Dom Luiz acendeu a luz da sala, encontrando aquela menininha xereta aos prantos... Levou-me para fora. Não me repreendeu. Acompanhou-me até a cozinha onde me deram água com açúcar e me acalmaram. Dom Luiz sabia que o pavor tinha sido meu castigo, por isso não me deu nenhuma reprimenda!

Mamãe nunca soube disso! Eu teria levado uma senhora surra!

Era a sala de História Natural!

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 16/09/2011
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