"AVÓ" CIUMENTA

Desde de que me entendi por gente, em minha casa sempre houve animais, predominantemente, cachorros. Eles eram de todas as cores e a maioria da raça vira-latas. Alguns nos marcaram a ponto de nos lembrarmos de seus nomes até hoje: “Frigideira”, “Rex”, “Radar”, “Patudo, “Juninho”.... Dei-lhes e recebi muito carinho, sofri demais quando eles nos deixaram e quando eu os deixei após me casar.

Meu marido nunca os quis e quando eu tive o arroubo de aceitar uma cadelinha presenteada por um aluno, ele deu um jeito de se desfazer da “Pechichica”, na primeira vez em que ela apareceu cheia de carrapatos. Então, meus filhos cresceram sem afagar esses animaizinhos, e confesso que não cheguei a me importar muito, pois sei o perigo da toxoplasmose (de que muitos são portadores), e dos seus efeitos indesejáveis.

Em maio de 2011, porém, meu filho mais novo apareceu em nossa casa com uma coisinha de andar trôpego, branquinha e de olhos azuis, escolhida no Centro de Zoonoses de Linhares, e que pouco deve ter mamado em sua mãe. Deu-lhe o nome de ANG (continuo achando que são as iniciais do meu nome invertidas, mas ele nega. Rs,rs,rs...) e perguntado pela razão de ato, desconversou, mas percebi que ele queria ver, na prática, a teoria de Burrhus Frederic Skinner, o pai do behaviorismo (comportamentalismo), que estudara o comportamento dos animais.

Acolhemos a gatinha como nossa “netinha” e de bom grado financiamos as vasilhinhas para ração, água, a caixinha para transporte ao veterinário, a caixa de areia para ela fazer suas necessidades fisiológicas, a caminha almofadada com travesseirinhos, a que, aliás, ela nunca preferiu. A danadinha sempre escolheu pular e dormir na minha cama, preferencialmente perto dos joelhos e/ou dos pés. Cheia de fungos adquiridos, provavelmente, no seu primeiro lar, ela nos empesteou de coceira e tivemos todos de ingerir o mesmo composto químico para combatê-los, mas nem por isso deixamos de carinhosamente, chamá-la de “ANG BEBÊ”.

O tempo foi passando, ela foi crescendo, as vacinas e os remédios foram sendo dados, a ração sendo trocada e o comportamento continuava o mesmo: uma coisinha bonita, arisca, brava, que adora subir nos lugares mais inusitados, de se esconder nas cubas das pias dos banheiros, de subir na mesa do café da manhã, de querer comer peito de peru defumado, brincar no jardim, comer grama, se esconder atrás das minhas flores, beber água suja da piscina e morder qualquer mão que queira acariciá-la.

Em setembro de 2011 ela começou com uma “miação” nojenta de dia, de noite... conseguiu subir nas alamandas e chegar ao muro, miava sem parar... Estaria ANG com dores de barriga? Vontade de sair e conhecer os arredores? Saudades da mãe que ela não teve? Calamos nossas perguntas, quando a vimos com a bundinha para o alto. Jesus, estaria ANG na TPM e querendo namorar? Tão novinha e já vadia desse jeito? “E agora, José”, o que fazer? Deixá-la seguir os seus instintos, “soltar a periquita”, miar escandalosamente na hora do sexo, estufar a barriguinha e encher a nossa casa de “bisnetos”?

Certa noite, ao retornar à noite do trabalho, percebi que a miação parara e que ela voltara a ser menos arisca. Sentei-me à mesa da sala para corrigir algumas provas dos meus alunos, e o “pai” dela se ofereceu para preparar algo na cozinha externa para comermos. Absorta em meus afazeres, só ouvi o guiso de sua coleirinha soar alto, denunciando a velocidade da carreira como ela subira para o andar superior de nossa casa, e o meu filho exclamar: Não acredito!

Levantei-me assustada para saber o que acontecera e ele me disse que um gato branco, com duas vezes o tamanho dela, aparecera no quintal para namorá-la. Fomos em seu socorro e a encontramos em sua caminha macia, com as orelhas em pé, as pupilas completamente dilatadas, mostrando o seu pavor. Disse-lhe: “Viu, gatinha? Você miou tanto querendo um companheiro, que um gatão apareceu para lhe satisfazer. Vovó não vive dizendo para você quietar o rabo dentro de casa?”

Voltei ao meu trabalho, mas mal pude comer o lanche que o “pai” de ANG fizera para nós. Ficou um nó em minha garganta, tive ânsias de envenenar o monstro que quisera violar a nossa “bebê”...

Sabia que seria inevitável, que ela voltaria a miar, que o gatão iria conseguir o seu intento, que eu iria virar “bisavó” de muitos “netinhos”, mas se dependesse de mim isso iria demorar. A primeira providência eu tomei na manhã seguinte: peguei um facão e cortei as alamandas, que ela usava para chegar ao muro, pela raiz.

Se o gatão quisesse algo indecente, teria de pular no nosso quintal e aí ele iria encontrar uma família ciumenta para caramba. Isso, enquanto decidíssemos levá-la para castrar e cortar de vez a ousadia do felino desacarado.

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 15/09/2011
Reeditado em 18/01/2020
Código do texto: T3220806
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