O PENSAMENTO E O GRITO
O velho homem de barba branca, cigarro de marca na mão, terno listrado e olhar fixo, pensava tranqüilamente sentado na cadeira de couro do alpendre de sua casa. Este era um hábito que há muito cumpria: o compromisso diário de pensar.
Ele pensava em algo que poderia ser interessantíssimo ou insignificante, algo grandioso ou minúsculo, algo, qualquer coisa, alguma coisa.
O certo é que ele pensava, e isso era fato!
Pensava de uma maneira tão plácida e concentrada que mais parecia uma estátua. Seus únicos movimentos estavam dentro da cabeça, mais um de milhares, infinitos movimentos entregues à inércia de sua imaginação.
De repente, o homem ouviu um grito ao longe. Assustou-se, levantou o olhar tentando encontrar o dono do grito, nada viu. Impacientou-se, levantou-se da cadeira e foi até o parapeito, olhou para todos os lados, olhou par cima e para o horizonte e, novamente, não encontrou o dono do berro. Olhou para dentro de casa imaginando que poderia ser a filha lhe chamando para o almoço, lembrou-se que já havia almoçado.
Voltou para a cadeira de couro e sentou-se encarando, com cara de espanto, o cigarro ainda aceso. Pôs-se a pensar. O velho homem fazia muito bem o exercício de pensar. Porém não pensou na mesma coisa de antes do grito. Aquele pensamento anterior perdeu-se nos confins da cabeça do velho. Aquele pensamento foi assassinado por um brado vagabundo e anônimo.
O velho homem tornou a olhar fixo e a pensar, desta vez, em um pensamento novo, pois o outro pensamento virou pensamento morto.