O SR. MUDINHO

Sandra era uma mulher que passava todos os seus dias pensando em novas possibilidades para os seus quadros. Todos os dias quando chegava em seu atelier, pegava o cavalete, o pincel e misturava as cores fazendo novas nuances . Ela pintava muito, sempre, tudo era motivo para que as suas mãos ficassem inquietas a menos que colocasse sua imaginação na tela. Assim se passou a vida de Sandra por dez anos ininterruptamente.

Quando completou 30 anos, não era casada, nem possuía filhos, a sua única companhia era o seu cachorro, já velho e rabugento, quase não de cima daquele tapete indiano na ampla sala, que mais parecia uma galeria, como toda a casa da pintora. Um dia a calmaria que só era mesmo interrompida pela música de Villa Lobos se interrompeu por um telefonema, Sandra apressou-se, mas atendeu quando já tinha parado, quando volta a pintar ela percebe uma nova tinta ali, uma tonalidade avermelhada escorrendo de sua tela pálida. Ela pensou que fosse um delírio de sua mente cansada e resolveu descansar.

O telefone toca novamente, alguém bate na porta e a campainha toca, Sandra atende o telefone ninguém responde. A porta ela teme atender e permanece em seu silêncio angustiante por horas a fio. Na janela uma mão marcada devido a neblina e a sensação de que alguém a vigiava. Ela não dorme, o telefone toca, ninguém responde do outro lado da linha, alguém bate na porta, tocam o interfone, não há voz alguma. Sandra pinta o pânico, a angústia de estar só e ver-se atormentada por ruídos o tempo todo. Seria sua mente a perturbá-la? Haveriam opositores de seus quadros?

Sandra não sabia de nada, se fechou em seu mundo da arte e agora não sabia o que fazer, a noite era escura como os seus cabelos e os seus olhos não podiam sequer fechar, as olheiras já eram claros sinais em seu rosto de uma semana de noites não dormidas. O interfone toca, Sandra atende é o carteiro, alguém enfim, ele deixa a carta anônima com pontos apenas e uma imensa mancha vermelha. O que representava tudo aquilo? Para a Sandra era a loucura. Precisava pintar mais, ou talvez de viajar ir para bem longe de toda a agonia e sentir-se livre.

Sandra solta um grito:

- Chega! Se querem fazer um jogo comigo, jogarei cartas opostas, apenas

me divertirei. Trocarei o medo pela ironia e verei em que darão os planos de quem me atormenta.

O Telefone toca, Sandra atente, desta vez com uma resposta :

- Alô! Como vai Sr. Mudinho? Lamento lhe informar que o telefone não é um meio de comunicação ideal para você.

Sandra volta a pintar o quadro há uma língua pintada em seu quadro, ela não havia pintado aquilo, nem poderia imaginar como alguém conseguiu entrar ali em sua sala. Quem estava tentando tomar conta de sua vida e trazer-lhe tanta angústia?

O carteiro passa, dessa vez há uma assinatura da carta, depois de cerca de 10 meses recebendo cartas anônimas. Há um desenho no papel de um colorido multicor e suave. Era tão belo aquele desenho, não amedrontava como as outras cartas. A assinatura era trêmula e pouco nítida, com apenas uma sigla.

S, s. t a , M

Aquelas letras eram tudo um mistério a desvendar, tinha pistas agora era só desvendar aquelas siglas. Eram letras soltas, sem qualquer conecção aparente, mas que deviam Ter um significado profundo pelo desenho e assinatura estarem um pouco tremidos. O telefone toca, ninguém bate na porta desta vez, Sandra queria atender agora, sabia que havia alguém do outro lado que a vigiava, não parecia tão pavoroso mais.

- Alô Mudinho! É você de novo? Você que fez aquele desenho que recebi pelo correio? Sei que não vai responder, mas por favor se encontre comigo. Não tenho medo do que venha fazer comigo, quero apenas conhecê-lo.

O interfone toca, ninguém responde, Sandra vai ver quem é não importa-se com o perigo que esteja correndo, precisa descobrir quem quer lhe prender a atenção e planejou durante tanto tempo como fazer com que ela perdesse o sono.

Não era mesmo ninguém, mas...há as mesmas letras da carta no chão e um caminho de tinta vermelha, gotas no chão levando há algum lugar. Seria uma cilada? O que importava? Se Sandra fugisse teria que fugir sempre e conviver com um estranho a observá-la sempre, todos os dias.

Sandra seguiu o rastro, tentou juntar todas as pistas, a tinta avermelhada, a língua, os telefonemas completamente sem diálogo, nem mesmo um "alô" e uma mão na janela na madrugada quando a cerração embaça os vidros da casa. Chegou o fim das gotas de tinta, não há ninguém esperando-a como Sandra supunha e ela já tinha andado por cerca de duas horas sem parar. Resolve sentar debaixo de uma árvore, estava cansada e com muito sono, adormece.

Acorda com a música de Villa Lobos, pensa estar em seu atelier, em sua própria casa. Abre então os olhos e vê que está perdida, não sabe onde foi parar, caiem gotas de tinta em sua cabeça, Sandra olha para o alto da árvore, não encontra ninguém. Ela foge rápido dali, não quer continuar correndo riscos. Enquanto corria avista um lago, resolve molhar-se e olhar para o seu corpo.

As mesmas siglas da carta estavam escritas em seu rosto, formadas pelas gotas que caíram em sua face, enquanto estava dormindo, olha para o alto novamente há um quadro enorme dentro do lago. Sandra arregaça as mangas de sua camisa e sua calça e mergulha para tirar o quadro.

Não parecia haver nada de especial no quadro, até que a pintora observa que as cores usadas são as mesmas que tinha visto na carta e resolveu procurar algo no quadro. De tanto observar, viu que embaixo haviam as letras S, s.t.a, M.

Sandra chega em casa, tira a roupa molhada e vê em cinco de seus quadros as letras e assim ela começa a entender, que eram cinco também os dedos de uma mão e 10 meses se passaram, que são duas mãos, desde o início de sua angústia e também eram cinco as janelas do atelier, da sala e do quarto, como cinco eram as letra e cinco o número máximo de vezes que o telefone chamava. S era a inicial de seu nome, o resto, não podia saber.

O telefone toca, Sandra atende sem demora e aflita:

- Olá Mudinho, diga-me o significado da sigla s.t.a, escreva em minha janela ou pinte em um de meus quadros, já não agüento tanto mistério.

Neste mesmo instante o interfone tocou, bateram na porta e uma mão e um escrito apareceram no vidro.

"Não posso lhe dizer, descubra você mesma."

Sandra não dormiu mais aquela noite e também não descobriu o mistério da mensagem, apenas o S de Sandra e o M de Mudinho, o que já era mais um passo. Resolveu dormir de manhã, já não tinha mais forças para pensar, mas muitas para sonhar e como sonhou naquela manhã a ponto de descobrir o significado das letras: "Sempre te admirei."

Estava resolvido o mistério, Sandra solta gritos de emoção e e pela última vez o telefone toca.

- Descobri Mudinho as siglas, você também é um pintor, muito bom por sinal e sempre me admirou. Só não valorizava você mesmo o bastante e hoje eu sonhei contigo e com as siglas e só quero lhe dizer depois destes dez meses, que perturbar a minha vida pela admiração invejosa que você tinha de mim, não valeria de nada se eu não pudesse dizer para você que Deus criou a cada um bem diferente e que Ele mesmo pintou as letras s.t.a, pois Ele sempre te admirou e te amou também e se entregou por você derramando gotas vermelhas de sangue que escreveram a sua carta de libertação.

Sandra desligou o telefone depois destas palavras chorando aliviada e muito feliz por estar livre agora, poderia dormir em paz e pintar novos quadros e criar novas nuances de cores e deliciar-se em sua arte, divertindo-se no silêncio ou ao som de uma sinfonia.

O interfone toca, é o carteiro trazendo um novo desenho. Sandra abre rapidamente, olha e vê o desenho de uma cruz, de vermelho e embaixo um sorriso e uma mão com cada dedo escrito uma letra J E S U S e uma bela pomba no alto bem alva.

O Mudinho estava liberto da inveja, assim como Sandra do mistério e o atelier de Sandra ficou calmo de novo, o seu cachorro achou muito bem, pois poderia dormir em paz, a única coisa que realmente sabia fazer, pois durante muitos meses o telefone ficou mudo.

Brenda Marques Pena
Enviado por Brenda Marques Pena em 08/07/2005
Reeditado em 28/11/2006
Código do texto: T32182