Uma pequena traição

Saíamos nós três do samba, Belini, Carol e eu, numa noite alegre com céu estrelado, que num cenário como o centro de Sampa era penosamente poético.

Estávamos levemente embriagados, Belini jurava amor eterno à Carol, esta, apenas sorria, era bonita, tinha um sorriso infantil e seios ligeiramente grandes, realçados por um sutiã com borda de ferro que avolumava-os ainda mais.

Belini, também era bonito, mas sem traquejo com fêmeas, era ciumento, controlava (ou achava que controlava) Carol em muitos aspectos, nesta noite agradável saíamos do Bovinu´s, havia chovido forte pouco antes, mas de repente, como sempre acontece em noites de verão, o céu abrira-se e descortinou-se um tapete de estrelas. Tenho a impressão de que tais noites alteram nossa libido, ou talvez, deixe-nos mais sensíveis à toques, vozes, olhares. Soprava um brisa leve que combinada ao céu de brigadeiro e às Itaipavas ingeridas deixava-nos como que exalando algo que não sabíamos bem o que era. Mas suspeito que seja uma sexualidade iminente, algo parecido com o viço de plantas coloridas, tão vivas, prestes a atingir o apogeu da existência, a fertilidade total, raciocínio preciso e manipulador...não interessava a Carol com quem transaria aquela noite, amava Belini era certo, mas entregaria-se a um bêbado de rua, aos caras que a desejavam com olhares pervetidos no Bovinu´s ou à mim que estava próximo e éramos nós três que andávamos juntos, que compartilhava-mos sensações carnais.

Sucedeu que Carol teve vontade de fazer xixi, cruzava as pernas grossas pressionando levemente com as mãos a vagina, aquela cena atraia-me. Foi em direção a outro boteco de nível abaixo do Bovinu´s, seus frequentadores eram machos carnívoros como eu e devorariam-na com olhares voluptuosos, assim Belini sangraria pelos ouvidos de ciúme, obviamente não autorizou sua entrada neste novo estabelecimento à despeito de sua imensa vontade de urinar. No entanto, Carol fez prevalecer sua necessidade, a mesma que tem alguém com a bexiga cheia de cerveja de esvaziá-la.

Belini não sangrou pelos ouvidos mas ficou puto à sua maneira. Muito puto. Decidiu que lhe daria o troco, dirigiu-se a minha pessoa nos seguintes termos "vou me embora, fique aqui e diga a ela que peguei o metrô, só tu meu amigo, apenas tu meu grande amigo, saberá que me escondo detrás daquela vívida figueira e quando atravessarem-na, consola-a, porque sentirá minha falta e perceberá a gravidade de seu desrespeito". Pressenti a oportunidade, respondi "és gênio!".

Carol saiu bem mais leve de dentro do boteco, não fez a menor menção à Belini, não perguntou nem procurou com os olhos por ele. Na entrada do bar, três indivíduos daqueles bem mequetrefes gritaram "perdição, se te provamos, te apaixonas!" Aproveitando que Belini estava lá na vívida figueira escondendo-se, abraçei-a de brincadeira para os malandros perceberem que a pequena tinha um macho por perto - Carol foi uma boa atriz, segurou minha mão forte olhando-me nos olhos, disparou em voz alta para o bando escutar "tenho dono, és tu e quero que me beijes agora"

Beijamo-nos como namorados, de língua, de saliva, um beijo demorado, os malandros babavam..

Sem dizer palavra cruzamos a vívida figueira daonde pula Belini de braços abertos "Buh! estou aqui minha pequena, pensaste que te deixei entregue a própria sorte na vida! aprendeste a lição? "sim meu amor como senti tua falta!" respondeu mecanicamente Carol, por uma fração de segundos nossos olhares cruzaram-se e isso pareceu significar que éramos cúmplices, que cedemos à certos desejos da carne, incontidos em alguém como nós.

Homem de preto
Enviado por Homem de preto em 13/09/2011
Reeditado em 18/11/2011
Código do texto: T3216382
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