A Caneca da alça quebrada (Inundação em SC 2011)
O Texto a seguir publiquei em 2008 quando pessoalmente estive na região afetada, e fiquei ilhado no primeiro andar de uma kitinete com mais 100 pessoas por dois dias e noites...Nesta última semana a tragédia se repetiu e ainda deixa estragos consideráveis na população. O Texto foi uma forma de reproduzir os meus sentimentos na época...e que agora infelizmente se repetem em mais uma tragédia mais pela questão geográfica do que pela mão do homem.
A Todos os atingidos a minha solidariedade e a minha doação material já fiz naquilo que me foi possível.
A Caneca de alça quebrada
Faltam as Janelas para ver as Estrelas
Faltam as Portas
Para sair em direção do Futuro
Faltam as Cortinas
Que são as mensageiras das emoções do Tempo
Falta o Tapete
Que recebe quem chega e que olha sorrateiramente quem sai.
Faltam as Vidraças para encostar o rosto
Aguardando o amor chegar
Faltam as Cadeiras que vazias são símbolos da Saudade
E com elas ocupadas assentamos os Pensamentos
Falta o Armário, alto, desengonçado, mas tão útil.
Ali estavam as roupas mais belas e os perfumes mais caros.
Falta o Espelho que sempre renovava a imagem
Ou a imaginação
Falta a Geladeira que gelava tudo
Do sorvete a sobra do feijão
Falta o Fogão que esquentava tudo
Mas nunca queimava mais do que o coração
Falta a Mesa da cozinha e as cadeiras
Quem sentava na ponta pagava a conta e sempre era ele
Mas agora? Quem vai pagar a conta?
Falta a Pia onde se lavava a louça, os alimentos.
Ali se lavaram os últimos pratos e as últimas canecas
Falta a Cama que era o ninho, que era o pouso de pássaros noturnos.
Ali surgiu uma nova geração feita em amor.
Falta a Televisão que insistia em comunicar
Que o Mundo estava desaguando, mas como acreditar?
Ela fala todo dia coisa ruim, graças a Deus, longe daqui.
Faltam os Trastes jogados pelas gavetas, pelos cantos, pelos ranchos.
Muitas coisas de nossa Vida são jogadas num canto do coração
Um dia as resgatamos e as transformamos em Vida nova.
Faltam os Sonhos que foram sepultados pelo barro, pela água e pela tristeza.
Não estavam ainda realizados, serão esquecidos mais facilmente.
Havia um Caminho entre as casas e entre os corações
Muitos se conheceram andando por ali
Nós o chamávamos carinhosamente de Caminho do amor
Hoje o Caminho não existe mais. Foi engolido pelos deslizamentos.
Será feita uma nova estrada longe daqui.
Mas será difícil de unir os corações novamente.
Erguer-se-ão Novas Casas
Novos Móveis serão doados
Humildemente se aceitará tudo o que os amigos solidários entregarem
E de coração serão todos abençoados.
Mas me falta aquela Caneca da alça quebrada
Onde eu tomava o café quente olhando o sol nascer por sobre os montes, toda manhã.
Escutando o cantar das araras, dos jacus e vendo o colorido das saíras de sete cores e do bonito-lindo.
Sempre achei que as Flores do Jacatirão seriam eternas, mas não foram.
Seus pés vieram abaixo de meus pés e suas flores hoje estão mortas.
As águas que desceram do céu nos pareceram Lágrimas
E se a Natureza esta chorando tanto, muito mal lhe fizemos.
A água levou quase tudo... Mas tudo ela não levou.
Deixou Pessoas, Almas, Corações, Sentimentos e Vontade de Vencer.
As obras passam, mas o Amor fica.
E existe muito Amor neste momento. Muito mais do que ontem,
Quando ainda olhávamos pela janela a chuva que não parava.
Hoje o Amor se espalhou pelo Brasil.
Eles vieram junto com as Doações
Amores naqueles pacotes simples de supermercados, naquelas caixas grandes de papelão.
Vou parar por aqui...
Estão chegando novos caminhões carregados de doações pelo amor que tocou em vários corações e são elas quem reconstruirão as nossas casas, a nós mesmos e quem sabe recuperará ainda a minha caneca da alça quebrada...
Do autor:
Como Poeta e pela proximidade sinto muito tudo o que aconteceu.
Este texto é uma ficção, mas foi fundamentado na verdade dos fatos.
Que Deus permita a todos renascerem não das cinzas, mas da lama.