PORCA LA MISERIA!

A presente crônica me surgiu quando dum comentário num texto meu em que o leitor me escreveu " continue a observar a vida para nos narrar os fatos...".

De fato, sou observadora...um pouco demais, até.

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Sou da geração mais nova dos sobrinhos duma família italiana que imigrou para os bairros do BRÁS e da MÓOCA no começo do século passado, de forma que meus tios por parte de pai já tinham netos, que eram os filhos dos meus primos, quando eu ainda era bem menina.

Então, meus pais, por educação, me ensinaram a chamar meus primos de tios, porque eram quase duas gerações a minha frente.

O nono Miguel, meu padrinho, mas avô dos filhos dos meus primos ( que confusão!) era um dos irmãos mais velhos do meu pai, um italiano divertido, porém deveras nervoso...como a maioria da família.

Fritavam-lhe os nervos sempre à flor da pele.

Tinha por ofício os "encanamentos" e me dizia meu pai que não havia na cidade, naquela época, um encanador melhor que ele.

Lembro-me perfeitamente do seu "ateliê", um velho barracão de ferramentas logo na entrada da sua casa.

Todos os domingos religiosamente nos reuníamos na sala de jantar, bem ali em frente ao barracão, para a macarronada da nona Francisca, acompanhada dos seus deliciosos bolinhos de arroz com espinafre, de colher, que só de descrevê-los perfumam a minha lembrança...e salivam a minha boca.

Eu almoçava correndo para logo ir ao tal barracão para poder lhe perguntar de tudo: "ô nono o que é isso, nono o que é aquilo, para que serve esse alicate, e essa tesoura, e esse cano?".

Lembro-me que ele, sempre de camiseta regata branca e de chapéu Panamá, me respondia tudo com zelo, até que certa vez, na hora das minhas insistentes perguntas me presenteou com um ferrinho de passar roupas que esquentava de verdade, um brinquedo para crianças, talvez para que eu eu, distraída com a novidade DO LAR, o deixasse trabalhar em paz, sem nenhuma pergunta.

Fiquei encantada com aquela "ferramenta" tão feminina para a época...

Lembro-me que quando algo no trabalho não dava certo para ele, eu saia dali correndo a ouvir um "porca la miséria!", e tudo voava para o alto, lá para o céu!

Nós morávamos numa casa que tinha um poço artesiano cuja bomba hidráulica sempre pifava, então, era o nono Miguel, o melhor encanador daquele mundo bem melhor, quem a consertava sob as minhas sistemáticas perguntas observadoras de sempre:" ô Nono, isso é grave? Vai demorar? Posso ajudar? Tem conserto? Qual parafuso que o senhor quer? O cano vai trocar? O fio tá bom? ô Nono tá entupido ali! Para que serve isso ? E este daqui? Posso fazer para o senhor,ô Nono? Isso dá cho...?

De repente, num daqueles dias de bomba pifada, eu sequer tive chance de levar um choque porque ele, bem vermelho de nervoso, me bufou tão alto que seu vento me fez " voar" para longe, a me fitar bem feio e a gritar pelo meu pai:

"PORCA LA MISERIA, ME TIRA ESSA MENINA DAQUI!"

Entendi rapidinho que a menina era eu.

Doutras tantas vezes, a partir daquela, minha mãe já me avisava que eu estava proibida de consertar a bomba com o nono Miguel.

"Não me dê um pio, ouviu!?"- ordenava ela.

Aquilo me deixava tão triste...para uma boa observadora "inata" era a morte não poder perguntar mais nada.

Bem, meu querido Nono Miguel já partiu faz tempo e eu ofereço esta crônica a ele...sem lhe perguntar nadinha, antes que as coisas voem lá no céu.

Só quero lhe mandar um recadinho:"Ô nono, eu juro que tentei, mas eu nunca aprendi a passar roupas, por mais que eu observasse e perguntasse como é que se faz..."