As 7 maravilhas da gastronomia portuguesa…

Ninguém é perfeito, e eu num dos meus imensos defeitos perdi algum tempo a ver as 7 maravilhas da gastronomia portuguesa, eleitas da forma como a gente sabe neste tipo de eleição, e que vale o que vale…(daqui já se percebe a minha opinião da coisa, desculpem, do evento…)

Diz o povo, ou alguém disse no seu lugar, que a nossa personalidade se pode ver naquilo que comemos, frase que subscrevo por ser perfeitamente óbvia, quase…retórica…

Não vou comentar cada uma das maravilhas, conheço-as bem, da vertente de “provador”, mas fiquei particularmente espantado com uma delas…:

-O Arroz de marisco…Dizem os registos e as fontes que consultei que é um “prato típico português”…depois de me ter rido em silêncio de forma desalmada, mas reforço que em silêncio, de forma a que nenhum vizinho pensasse o pior, chamasse a polícia e esta depois as entidades que considerassem competentes e no pior dos casos ainda acabaria internado por insanidade temporária…e por isso fiquei a rir-me em silêncio…porque de repente me lembrei de uma série de pratos bem mais típicos, mas com menos glamour…como a Chanfana, como os Rojões, etc…o mais espantoso é não estar presente nenhum prato de bacalhau…se calhar porque este não é pescado por estes lados…mas há uma série de outros pratos que faltam…demasiados…

Mas entrou o arroz de marisco…

No meio de tudo isto fiquei espantado por não ver nenhum prato da “cozinha de fusão” ou da “Novell cuisine”…afinal se estamos num mundo global e temos a mania de sermos actuais, porque raio os dois exemplos citados não fazem parte da coisa…? Excesso de bairrismo, ou se quiserem nacionalismo…? Se calhar é esse o motivo das feijoadas ficarem fora de jogo (pela sua terrível ligação ao Brasil…) e o tal bacalhau…afinal o dito é estrangeiro…está bem que no Natal quase toda a gente o come, mas o tipo é um estrangeiro, logo, correr com ele…o mais engraçado é que se sabe que os estrangeiros quando pensam na nossa comida falam de imediato em “bacalau” e “sardinnna”…ou então eu ouço e conheço estrangeiros muito estranhos…

E como toda a gente sabe o vulgar português que encontramos na rua é um fã incondicional do arroz de marisco…isso e o Benfica ter 6 milhões de adeptos…Como toda a gente o arroz de marisco é um prato económico que se come sempre que se pode, e não se come mais porque o marisco faz mal ao colesterol…

Mas fica bem dizer que é uma das 7 maravilhas eleitas…Como sempre assumimos a centenária pose de “ricos falidos” que mantêm os velhos hábitos…o problema é que nunca fomos ricos, e fomos quase sempre falidos ou à beira disso…mas fica tão bem no meio disto o arroz de marisco, não fica…? E pessoalmente tenho imensas dúvidas que a maior parte tenha realmente comido um genuíno arroz de marisco…mas isso se calhar é outra história…

O que comemos diz muito do que somos, ou aquilo que aspiramos a comer…

Em termos pessoais, adoro comida, mas francamente…desde que saiba bem, como de tudo…não me interessa a sua proveniência, desde que goste dela…Para a minha história e de alguns amigos ficou o episódio em que comi caviar pela primeira vez…tive uma reacção à “Obelix”…: numa festa de gala lá nos calhou esse canapé…e eu provei lenta e calmamente o dito como provaria qualquer coisa…reparei então quando acabei de comer que vários amigos e amigas olhavam para mim algo ansiosos, à espera de uma opinião…de forma vulgar respondi de forma desapaixonada…” é salgado”…e fui comer outra coisa qualquer…esta reacção se calhar explicasse por na altura ser novo, por não pensar, mas diz muito da minha visão da cozinha...

Em tempos recentes fui a outro jantar de gala…de cozinha moderna…eu devo ser um tipo sem tacto nenhum, pois quando acabou o jantar convidei os meus amigos para irmos algures jantar…a comida de facto era boa, bem apresentada, excelente em termos globais…mas minimalista, residual…e o objectivo de uma refeição não passa por deixar alguém saciado…? Se é para fazermos uma prova de gostos, façamos isso ao lanche, porque a seguir…vem o jantar…

Mas por natureza prefiro comidas simples, ambientes simples…isto pode ser lido como falta de gosto, mas cada um pode pensar o que é livre de pensar, eu sei do que gosto…

Mas tenho a percepção de por vezes exagerar nessa simplicidade, bem sei…

Um dos maiores prazeres que posso ter neste domínio é passar entre as bancas de uma festa popular e comer sardinha assada fresca em broa feita de forma tradicional e não a moderna…Adoro comer pequenos pedaços de porco bem temperado e depois assado na brasa, mas porco criado no campo, à moda como me ensinaram a comer, sentindo ao comer essa carne os imensos aromas e sabores desta, algo que só se tem com animais criados à moda antiga, biológica, se quiserem…

E mais, muitos mais exemplos destes eu poderia dar…

Claro que não há nada que se compare a desgostar um delicioso bolo da melhor pastelaria do mundo, a francesa, ao lado do Arco do Triunfo, claro que comer lentamente um gelado na sua pátria, em plena Praça de São Marcos deliciados pelo doce e pela vista maravilhosa é algo de único…

Mas francamente…serei básico, serei primário, não terei gosto nenhum, mas prefiro aos prazeres imensos referidos acima, comer a tal sardinha, na tal broa numa festa popular, a olhar para o nosso povo, para as nossas gentes, cheias de imensas e irritantes contradições, mas são as minhas gentes que amo não obstante os seus imensos defeitos que ofuscam as suas vastas qualidades…Adoro Paris, fiquei apaixonado por Veneza, e outros locais na Europa, irei lá mais vezes sem dúvida, e gosto de me considerar um pouco cosmopolita, mas francamente não há nada como a nossa casa, e comer no meio do meu povo é comer na nossa casa…

Porque comer e saber comer é muito mais do que parece, e para mim comer e saber comer passa por sentir e amar de certa forma tal, e eu amo da forma como vivo essa comida…

Nota...: este é um texto, uma crónica que publiquei tanto em Portugal, como aqui...peço desculpa ausência natural de explicações gastronómicas portuguesas aos leitores e leitoras brasileiras, isso iria tornar estas linhas demasiado extensas e monótonas,,,,um conselho...: qualquer motor de busca eficiente, nomeadamente o que utilizo, o Google terão bons exemplos dos pratos tradicionais de que falo, e mais do que isso, imagens desses pratos, que mesmo que quisesse não poderia incluir devido ao tipo de assinatura de autor que tenho no Recanto...

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 12/09/2011
Reeditado em 12/09/2011
Código do texto: T3215461
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