O escritor autêntico
Todos nós já falamos de nossos motivos para escrever. Eu mesmo já fiz duas crônicas sobre estas razões.
Hoje quero abordar por um outro ângulo, outra visão. A visão tem isso de bom: podemos olhar o objeto com os olhos bem apertadinhos, com o olhar arregalado, com olhar enviesado, ou com aquele olhar blasé, que os franceses adoram.
Mas a minha visão de hoje é muito nobre, nada de desdém, não digo que vou olhar o objeto de olhos arregalados, ficaria feio. No entanto, vou olhar de olhos bem abertos, pois se trata de nossas vidas. Vida é vida, por pior que seja.
Vou explicar ao leitor o que está passando na minha cabeça, qual o meu transe neste momento exato em que estou digitando o texto. Aliás, aproveito o momento para uma digressão rápida. É o seguinte, leitor amigo: sou preguiçoso para revisões. Quando acharem alguns erros esquisitos, lembrem-se sempre que não faço revisões, sejam benevolentes, mas me chamem a atenção para eu consertar “a posteriori”. Puxa vida, vocês não sabem, mas como essa confissão me deixou mais calmo. Confessando as limitações, a gente até ganha a simpatia de quem nos lê.
Retornando para minha ideia principal, posso afirmar que quando começamos a escrever, neste princípio vacilante, somos muito inseguros. Igualzinho nossa meninice e adolescência. Muitos de nós, querendo agradar, e não querendo errar, procuramos um apoio e começamos a copiar o estilo dos autores consagrados. O adolescente não faz isso? Fica imitando o pai, o líder da turma, inevitavelmente vai imitar alguém.
Cansei de ouvir depoimentos de cantores, todos começam imitando o cantor consagrado da época. E na literatura é a mesma coisa. Até o Machado de Assis começou imitando os autores franceses afamados. E para minha total surpresa e talvez surpreenda muito você, que agora me está lendo, o grande mineiro João Guimarães Rosa, cujo primeiro livro, mesmo sem ser poeta, foi um livro de poemas chamado “Magma”, publicado em 1936, também começou imitando o estilo de outros autores, segundo nos informa um artigo do colunista José Castello. Foi um “copista” do estilo dos outros, quando escreveu os seus "quatro contos", admitido por ele próprio. Ainda não era o grande Guimarães Rosa. Segundo ainda o Castello, ele precisou “matar” o copista da sua juventude, para que, como num parto, nascesse, enfim, o Guimarães Rosa autêntico.
Passando agora para o nosso quadro mais modesto, inspirado pela notícia do articulista do jornal Globo, nós que escrevemos amadoristicamente, podemos, sem dúvida, aprender essa lição importante. É natural que no começo usemos muito os outros, com muitas citações, como uma bengala para a nossa insegurança. Mas chega a hora em que, ora bolas, criamos o nosso lugar próprio. Criamos um teto todo nosso, como dizia Virginia Woolf, citada pelo José Castello.
No ano passado, começando a escrever, fiz várias crônicas, vamos dizer assim, certinhas e com muitas citações (a bengala). A turma até apreciava, pelo meu esforço de não errar. Mas e eu? Onde estava o que era meu, onde estava meu teto?
Quando imaginei, me sentindo mais fortalecido, que poderia falar das minhas experiências, daquilo que realmente eu conheço, ao meu modo, da minha maneira, brincando ou falando sério, é como se tivesse construído a minha casa, o meu salão de festas, e daí a dançar a minha própria música foi um pulo. Claro, antes que me apedrejem como a adúltera bíblica, não somos escritores, mas sempre podemos aprender. E, confesso, meu teto ainda não está muito firme... Mas quando somos autênticos, somos mais apreciados.
A literatura não é bem uma questão de escrever bem. Não há certo ou errado, nos ensina o Castello.
Agora, digo eu: é pela vida que nós nos interessamos, e quase sempre as “besteirinhas”, como outro dia me lembrou a extraordinária poetisa Tania Orsi, com muita graça, dizem muito mais... E o leitor adora e agradece!