Caçador

O homem enfim sai de sua caverna. Precisa caçar, arrumar comida. Se pudesse escolher, ficava em casa, abria mão dessa tradição pré-histórica. Mas acontece que o homem não tem comida alguma lá, e mesmo que tivesse não poderia fazer nada com ela: não sabe cozinhar e sequer tem um fogão. Então o homem sai de sua caverna. Precisa caçar, arrumar comida. Houve um tempo que isso foi mais fácil. A caça estava a menos de cinquenta metros de casa. Mas o restaurante fechou, ou entrou em reforma eterna. Por isso, o homem precisa ir mais longe. Bem mais longe, porque todos os outros restaurantes próximos que conhece estão fechados – é domingo, e imagina-se que as pessoas estejam todas almoçando com suas famílias, e por isso ninguém precisaria de um restaurante. Os raros que abrem possuem preços nem um pouco familiares.

Então o homem pega um ônibus. Está viajando atrás de comida. Existem dois restaurantes na rodoviária, e os preços são um pouco menos salgados. Serve-se. É um restaurante por quilo. Não pode colocar muita comida, porque isso deixará o prato mais caro, e então ele gastará mais, e então corre o risco de faltar dinheiro no fim do mês. Em agosto, quase faltou. Mas precisa comer bem, porque é a melhor refeição que faz no dia. Come pouco no café, e não janta – faz apenas alguns lanches ao longo do dia. Por isso, pega bastante verduras. Muita gente tem medo de pegar verduras em restaurante, não sabe como elas são lavadas. São, naturalmente, pessoas que tem a possibilidade de não comer em restaurante. O homem precisa comer em lugares assim todos os dias. É preciso confiar. Coloca agrião – outro dia, uma mulher falou “oba” ao colocar agrião no prato. Alface. Cenoura. Gosta de tomate, mas não come mais – tem problema de refluxo. Sempre falou mal de brócolis. Pega também. Beterraba, mas pouco. Arroz, arroz tem que ter. Também gosta de feijão, mas dispensa: pra não sair tão caro, irá se contentar com molho por cima. Macarrão, sempre tem macarrão. Gosta muito. E mais alguma outra coisa, maionese ou purê de batatas. Come carne, mas não faz muita questão. Linguiça, às vezes. Carne cozida. Frango. Terminou o buffet, e ele não colocou tanto quanto gostaria. Coloca o prato em cima da balança. Que péssimo: deu mais do que esperava. O atendente pergunta se quer alguma coisa para beber, mas isso é praticamente um insulto ao homem: será que ele não viu quanto deu o prato? É preciso pagar, e ali se paga antes de comer – sabe como é, senão o cliente esquece, o dono esquece. Coisa de rodoviária.

E finalmente o caçador se vê diante da sua comida – a sua legítima comida, que havia suado para conseguir. O homem come devagar, demora cerca de vinte minutos. Talvez assim pareça que tem mais. Mas a comida está boa, muito boa. Gosta de comer. Enquanto come, aparecem pessoas pedindo que pague uma marmita. Tem graça. Os garçons enxotam esses pedintes. E ele então come sossegado. Uma delícia, a comida.

O homem termina o almoço. Está livre para fazer o que bem entender o resto do dia. E, diante disso, resolve tomar uma providência. Procura um lugar para escovar os dentes.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 12/09/2011
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