Cúmplices de viagem
Sexta feira, de volta para casa no ônibus universitário, um casal de jovens namorados quase me matou – de inveja e de lembrar.
A moça, estudante do campus federal onde trabalho, subiu no veículo, sentou-se e ‘guardou lugar’; o rapaz vinha da faculdade estadual (creio, já que ali se faz outra parada obrigatória) e acomodou-se ao lado dela, entendeu o braço esquerdo por trás dos ombros redondos, cheirou, beijou, acarinhou, ao que ela reagiu acarinhando, beijando, cheirando...
E eu, sozinha no banco de trás, fiquei pensando no quanto sinto falta: dessa troca, de estar apaixonada, de ter vontade de estar perto e (até!) de sentir saudade.
Lembrei-me da única vez em que me apaixonei: o mundo todo de pernas para o ar, e, no entanto, nunca – antes ou depois – as coisas exata e justamente onde e como deveriam estar... Mas o sujeito por quem misturei fantasticamente tal certeza e ansiedade encantou-se tão somente por um palmo quadrado de cara bonita, um corpo sinuoso e sincero, quente, macio e cheiroso, e uma mente ativa, com quem gostava de ‘trocar umas ideias’, de vez em quando.
Sazonalidade não era suficiente; o excesso de atenção às partes, em detrimento do todo, era insuportável. Assim, após perder o que não tive, passei uns pares de anos vivendo de lembranças – que também não tinha. E a tristeza de nada haver construído com quem amei ainda me ocorre, por vezes visceralmente, qual um ensinamento enfiado goela abaixo, noutras vezes, suavemente, como o ensinamento aceito, impreterível.
Inveja da boa não mata, mas maltrata um bocado!
No assento à frente, após as viagens idas e voltadas de carinhos, beijos e cheiros, o moço pendeu a face esquerda sobre um ombro moreno e morno, a moça encostou a face direita nuns cabelos castanhos ondulados e aparentemente, cochilaram durante dois dos três quartos de hora do percurso. Quando chegou o momento, desceram na mesma parada, entre risos e cochichos, os dedos de um enganchados nos dedos do outro.
E eu, sozinha no banco de trás, sentindo falta de andar de mãos dadas - e lembrando o tempo mágico em que dormia e sonhava de mãos dadas - desejei secretamente que o sentimento do casal perdurasse, crescesse para além dele, contaminasse outros casais, outros rapazes ou velhos, outras senhoras ou garotas, repovoasse o mundo... Imaginem a terra todinha em alegre cumplicidade!
Desci duas paradas depois, cheia duma felicidade estranha, calma...
Inveja ruim exclui; inveja da boa diz “também”. Inveja da boa não mata, não, e ainda ensina esperança.