O pianista Joseph Climber

Não tenho absolutamente nada que me impeça de ser músico. Tenho meus braços no lugar e não existe problema algum com minhas mãos e dedos. Meus ouvidos funcionam corretamente e nem o fato de eu usar óculos atrapalha alguma coisa. Existem até coisas que contribuem para que eu seja músico: meu avô tocou por muito tempo em bandinhas da região, e muita gente na minha família toca algum instrumento.

Foi diante desse cenário favorável que, no início da adolescência, eu quis aprender a tocar violão. Era uma época em que todos os garotos queriam ter uma banda de rock. Fiz aulas por um ano e aprendi a brincar com o violão – o que é muito diferente de tocar. Um dia, arrebentou uma corda e eu nunca mais coloquei outra – talvez eu tivesse esperança que, caso arrebentasse mais uma, eu pudesse transformar o violão em um baixo.

Havia uma única coisa que me impedia de ser músico – justamente a mais importante. Faltava talento, esse mesmo talento que sai pelos poros de Joseph Climber, o pianista.

Estou falando de João Carlos Martins. Semana passada, ele fez um concerto gratuito com a Orquestra Sinfônica de Brasília. Fui assistir. Era uma boa ocasião para esquecer um pouco dos barulhos do mundo, que só falava em Bin Laden e películas automotivas – coisas muito importantes, mas não à noite. E então fui ver o João Carlos Martins. Ele é regente e pianista mas, ao contrário de mim, existem muitas coisas que o impedem de ser um músico.

Ainda jovem, Martins tinha uma brilhante carreira como pianista. Um dia, numa partida de futebol, sofreu uma queda, arrebentou um nervo e teve a mão direita paralisada. Ficou impedido de tocar piano. Mas buscou os melhores médicos e conseguiu voltar a tocar – só que sem o mesmo brilho de antes. Bastante exigente consigo mesmo, decidiu abandonar o piano. Passou vários anos sem tocar, mas um dia decidiu voltar.

Agora, usava só alguns dedos da mão direita. Voltou a fazer sucesso, mas então teve uma grave crise de LER e foi obrigado a parar de tocar novamente. Só anos depois o movimento normal das mãos voltou e ele retomou a carreira. Mas uma noite, sofreu um assalto, levou uma pancada na cabeça e teve o lado direito do corpo paralisado. Os movimentos voltaram, mas um nervo da mão direita teve que ser cortado – com isso, essa mão ficou inutilizada.

Qualquer um de nós ficaria chateado, abatido, desmotivado, mas não Joseph... digo, João Carlos Martins. O pianista deu um jeito de aprender a tocar bem só com a mão esquerda. Até o dia em que teve um tumor nela. E adivinhem? Não pôde mais tocar piano. Como dessa vez parecia ser para sempre, Martins decidiu aprender regência – apesar de não conseguir segurar a batuta e muito menos virar a página com as partituras.

Martins contou sua história num concerto que tinha como objetivo homenagear Beethoven – outro teimoso. E eu vi, meninos. Eu vi o maestro reger a Orquestra com as notas todas memorizadas, pois é o único jeito. E eu vi, e vi muito bem, esse mesmo homem simplesmente tocar ao piano. Não me perguntem como. Senti uma vergonha muito grande. Já desisti facilmente de muita coisa importante. E então, como era natural, eu chorei.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 11/09/2011
Reeditado em 11/09/2011
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