Solidão

Estou meio perdida, na beira da estrada que leva ao capítulo posterior. As mãos suadas, a testa gelada, a face cansada, não sei o que sou. O que quero ser, como haveria de saber? Se tudo o que tenho desejado tem sido o inapropriado, se, ao dedicar todos os meus sentidos, depravei-me nesse abismo tão temido…

Minhas mãos estão bordadas por novas linhas, novas estradas, novos dissabores. Haverão de fazer-me sorrir e despejar palavras maduras, estes novos amores. Novas doçuras, que a cada curva de estrada hão de se revelar. Mas, no dia seguinte, o vinho diluído, o sono descabido e a crescente solidão hão de me lembrar de todas as noites em que a despeito dos topores, abri de verdade meu coração. A um único e exclusivo, cujos olhos de carência e perigo dominaram minha fascinação.

Amanhã hei de percorrer novas avenidas, pórticos para estradas aflitas, que trarão este novo conceito de solidão. A solidão apesar de tantos amantes, trazendo a lembrança constante e irrevogável de que aquele amor inigualável não faz mais parte do meu coração.

Cada aeroporto ou estação, cada ferrovia, cada avião, cada roubo temporário de coração, há de trazer-me para a mesma rua fria que certa vez à luz do dia trouxe-me toda a expressão da paixão. Haverei de reencontrar as dores de outrora, com o prazer que enamora o impossível coração. Hei de ler versos antigos, chorar por saudade dos amigos e das lágrimas quentes, que tanto tinham para exprimir, mas já não podem existir na frieza de então.

Minha bagagem rasga minhas mãos, mas não sei a quem recorrer, estava pensando no que sou, conhecendo o que fui, indagando o que haveria de ser! Foi tudo o que deveria ter sido, desde o olhar mais descabido até o eloquente e medido disfarce de felicidade, pois como haveríamos de ser felizes de verdade se sofríamos das tristes punhaladas contrariadas pela sociedade?

Joguei-me na inadequação, perdendo cada pedaço de bom senso, expondo todo o meu talento, no poema passageiro de uma noite, uma breve paixão. A dose de carência de outro corpo ilógico, inoportuno e sozinho que houve de cruzar o meu caminho, dos meus olhos taciturnos, da ausência de razão.

E a cada lágrima insossa e insensível, que derramo do topo do abismo, volto ao sentimentalismo de então. Quando a gente se amava no silêncio inexprimível, um amor invisível, traduzindo e desafiando toda a minha solidão. Eu sabia onde estava e só sabia querer, sem pensar, sem compreender que os desejos não poderiam ser. Olhando nos olhos de quem fingia entender, por saber onde não podia jamais estar, obrigando-se a pensar que seu coração devia calar.

Fernanda Vogt
Enviado por Fernanda Vogt em 10/09/2011
Código do texto: T3211764
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