FUGINDO DE CASA

Quando criança dos meus oito, nove anos, eu vivia aprontando, era um peralta e minha mãe Flaviana não me dava trégua, era uma surra atrás da outra. Filho mais velho duma prole de onze irmãos, oito homens e três mulheres, era levado da breca, mas muito trabalhador e ajudava na criação dos menores.

Certa feita fiz uma arte qualquer e, pra variar, minha mãe aplicou-me uma surra de piraí (chicote com tiras de couro) e, ainda por cima, me botou de castigo, preso no quarto. Fiquei lá por um bom tempo, remoendo a minha raiva e quando fui liberado já saí com uma decisão:- iria fugir de casa!

Mas fugir pra onde? Nem parentes próximos eu tinha. Minha saudosa Vó Fela, a única pessoa capaz de me acolher (queria me criar quando nasci), morava no Cedro, meu torrão natal, no interior do estado das Minas Gerais. Mas não me dei por vencido, peguei um facão, machadinha e saí pro mato grande que havia por trás do campo de futebol do “Renascença”.

Cortei algumas varas compridas, arranjei uns sacos de cimento vazios, com a machadinha escavaquei o barranco do outro lado da Rua Horta Barbosa, ao lado da nossa casa, finquei as varas e armei uma pequena cabana. Forrei o chão com um saco de aniagem, sentei-me e fiquei ali, amuado e absorto em meus pensamentos infantis. Estava achando minha vidinha meio complicada e queria dar uma guinada.

A tarde veio caindo e, com ela, meus irmãos e os companheirinhos da vizinhança, todos alegres e sorridentes, apareceram para jogar a tradicional pelada vespertina. Viram-me na cabana armada junto ao barranco, triste, macambúzio e indagaram dos manos:-

“- O que houve com o Betinho? Por que ele está alí naquela cabaninha? ...”

“- Ele fugiu de casa e disse que vai morar ali agora!” – respondeu o mano Aécio.

A bola rolou e a pelada agitou a galera, com chutes e botinadas pra todo o lado, disputando o jogo numa gritaria infernal. Eu só olhava, meio de banda, amuado à beça.

Começou a escurecer, o Walter Catarrento pegou sua bola e a pelada terminou com a petizada saindo em ruidosos comentários. Chamei o Aécio até a cabaninha e lhe disse:-

“- Mano, fala com mãe pra fazer uma marmita e mandar a minha janta, tá? ...” – ele, sempre obediente, balançou a cabeça afirmativamente e correu pra casa.

Daí a pouquinho lá vem o Aécio todo sem graça, de mãos abanando e me passou um recado da Dona Flaviana, curto e grosso:-

“- Fala pra ele que quem vai pra rua come ruuua, tá entendendo???...”

Pois foi com essa historinha que contei ao Tomás, meu netinho de seis anos, que tentei demovê-lo da idéia maluca de fugir de casa, após um “destempero” com sua mamãe Karina, acusada por ele de ter sido exagerada num puxão de orelha que lhe deu “sem necessidade”, segundo o próprio.

Mas ele estava irredutível ao telefone, me disse que já tinha apanhado o seu pequeno “lap-top” (o seu “amigo”, como ele diz), alguns “DVD,s” de filmes e me pedia, choramingando, que fosse buscá-lo na sua casa, pois pretendia morar comigo e com a Vovó Mari. Sinceramente, eu não sei a quem esse menino está puxando! ...

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 09/09/11

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 09/09/2011
Reeditado em 02/02/2013
Código do texto: T3209787
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