Loucura, loucura
Alguém disse que a medicina está tão evoluída que, hoje em dia, ninguém mais pode ser considerado são. Assino embaixo, e diria mais: também a psiquiatria está tão evoluída que poucas pessoas não podem ser consideradas loucas. Diante disso, foi com grande alívio que visitei um hospício e, contra todas as expectativas, não fui barrado na saída.
Meu bisavô Antônio Correia Santos havia morrido num hospício. Eu estava louco para visitar um deles. Mas o pessoal que trabalha lá me alertou: os internos iam tentar me cumprimentar. Imaginei como são loucas as pessoas que tentam nos cumprimentar. Aceitei o risco. O hospital recebe maníacos, depressivos, esquizofrênicos, psicóticos, suicidas em potencial e, vejam vocês, obesos. Fico sabendo que as melhores atividades por lá são as festas de aniversário. Nessas ocasiões, os loucos podem dançar à vontade, sem se preocupar com o que os outros irão pensar.
Também existem gincanas, filmes e atividades culturais. Há uma sala com uma televisão e uma placa alertando que não se deve assistir durante o almoço e após a novela das oito. Bem se vê que o hospital faz de tudo para manter a sanidade dos seus internos, pois sabemos que é justamente após a novela das oito que começam programas como o Big Brother Brasil. E assim os pacientes tentam se entreter, em meio a uma ou outra visita familiar – provavelmente raras.
“Hoje à noite eu volto para casa”, diz um dos internos. Pensamos então que o hospital foi capaz de curar alguém, apesar de tudo. Mas a enfermeira avisa: “É o primeiro dia dele”. Durante a visita, recebemos lisonjeiros convites dos pacientes para que visitássemos a casa de suas famílias, mas fomos obrigados a nos desculpar: “Hoje não dá, infelizmente”.
Um interno dormia no primeiro lugar em que se encostou. Outro puxava assunto enquanto escorria sujeira de seu nariz. Alguns murmuravam coisas que ninguém entendia, ou reclamavam que não havia tantas danças como antigamente. As enfermeiras sorriam com complacência. Para elas, basta que se diga “aham” ou “tá bom” e eles param de perturbar.
Os pacientes não passam de avestruzes, que mexem a boca para mostrar que estão falando, mas ninguém ouve som algum, ninguém sabe o que querem realmente, e ninguém quer realmente saber.
Nem só de loucos vive o hospital. Há um espaço para viciados. Vejo um homem amarrado numa cama. “O que é isso? O que é isso?”, ele diz. Se mexe de um lado para o outro, tenta se levantar e não consegue. Está em crise de abstinência, explicam. “Essa é uma ala pacata”, avisam. De fato, ninguém veio nos cumprimentar. Pela manhã, eles fazem a oração da serenidade, admitindo a impotência diante da droga. Depois, Deus sabe por qual motivo, cantam o Hino Nacional.
Eles mesmo fazem suas atividades diárias e, ao tomarem banho, suas roupas são revistadas – é comum que a visita traga drogas. Para relaxar, há uma área para consumo de tabaco – droga que não faz mal, pelo que deduzimos. Para muitos, o hospital é um bom lugar para fugir dos traficantes. E assim, o hospital acredita contribuir para livrar a sociedade de pessoas que julga inconvenientes.
É, Luciano Huck... loucura, loucura, loucura.